Ponto prévio: a Raríssimas não é uma história de "vingança entre gajas", como já li e ouvi. É uma história de concubinato entre jornalistas e poder político.
Conheci a Raríssimas há cerca de uma década, na sequência de
uma extensa reportagem que fiz sobre a economia social. Devo dizer que fiquei impressionado com o
belíssimo trabalho ali desenvolvido e com as circunstâncias que determinaram a criação desta IPSS ( Paula Brito Costa criou a
Raríssimas após a morte do filho Marco
que nasceu com uma doença raríssima e morreu
com 15 ou 16 anos).
No final da entrevista lembro-me de ter comentado com o fotógrafo que, apesar do
excelente trabalho desenvolvido pela instituição, ela padecia de um pecado
original.
Com efeito, não me escapou o
facto de a sua fundadora ser a presidente da instituição e de esta funcionar
com o apoio de verbas do Estado.
Não é que seja caso
raro, mas já então a experiência me dizia que, ao fim de alguns anos, estas situações são
propícias a uma má utilização dos
dinheiros públicos.
Empenhados no
projecto que criaram, os fundadores que se tornam dirigentes tendem a
confundir-se com a instituição e a esquecer que os dinheiros com que gerem o
projecto são públicos e exigem responsabilidades públicas.
Foi com base nessa experiência que, quando convidado a
integrar um grupo de trabalho sobre as regras a que deviam estar sujeitas as
entidades que recebem apoios do Estado, propus fiscalização e controlo muito
rigorosos e a inelegibilidade de
instituições onde os órgãos sociais sejam preenchidos maioritariamente por
familiares.
“Atrevi-me” ainda a
propor a proibição de atribuir apoios e subsídios a entidades que integrem nos órgãos sociais, dirigentes de
organismos dependentes do ministério que os atribui. Claro que, conhecendo o
conluio entre os partidos do Centrão em matéria de atribuição de subsídios,
sabia que facilmente seriam ultrapassados os efeitos pretendidos com essa
proposta. Mesmo assim a proposta foi chumbada e
a fiscalização- já de si
permissiva- esbarrava na indiferença de quem decide a nível ministerial.
O que se passou na Raríssiimas não é caso único. Acontece em
muitas outras instituições.
O Centrão criou na sociedade portuguesa um clima de impunidade
absoluta, onde todos se encobrem mutuamente e
as denúncias caem em saco roto. Ou porque nem sequer chegam a quem tem
poder decisório, ou porque são encaradas como “pequenas coisas sem
importância”.
Acredito que a presidente da Raríssimas- à semelhança de
muitos outros dirigentes de IPSS e
demais organizações da economia social- ajam de forma semi inconsciente quando
usam dinheiros públicos. Na verdade,
quando os dirigentes são os “mentores” da ideia que presidiu à criação da
instituição, ou permanecem no cargo durante muitos anos, acabam por sofrer
dessa doença que lhes coarta a capacidade de discernir sobre a utilização
correcta e criteriosa dos dinheiros públicos.
Foi por isso sem perplexidade, nem indignação, que soube do
comportamento de Paula Brito Costa à frente da Raríssimas. Surpreendeu-me,
outrossim, que finalmente um canal de televisão tivesse investido nesta
matéria.
Como estou impedido de sair de casa há alguns dias, ontem assisti à audição do ministro Vieira da Silva na AR, na expectativa de algumas respostas.
Népia. Apenas reforcei a convicção de que continua a ser muito verdadeira a máxima de que quando o jornalismo vai para cama com a política, os cidadãos ficam sempre a perder.
Quando a investigação jornalística apenas se debruça sobre uma parte da questão, omitindo aquela que é mais importante, porque não interessa aos objectivos pretendidos, estamos perante política e não jornalismo.
É mais do que óbvio que Ana Leal, apesar de saber desde o início das falcatruas de Joaquina Teixeira ( vice-presidente da Raríssimas) nunca se preocupou com o caso. Como se tivesse feito um pacto do género "dás-me a informação que eu preciso e eu desvio as atenções da opinião pública das tuas trafulhices", Ana Leal evitou a todo o custo relacionar o caso Raríssimas com uma vingança interna, optando por envolver um dos mais sérios e competentes ministros deste governo. Essa foi a razão de nunca ter mencionado a existência de Joaquina Teixeira, nem as fraudes por ela cometidas. Isso estragava-lhe a narrativa e certamente desagradaria Nomeadamente ao grupo parlamentar do CDS, cheio de arruaceiros e prostitutas mentais, avessos à ética e à honestidade intelectual.
Não nos espantemos se dentro de alguns meses tivermos notícias surpreendentes sobre este caso. Será sinal que o CDS - lídimo representante da hipocrisia em matéria de assistencialismo e caridadezinha- conseguiram os seus objectivos.
No meio de todo este imbróglio fabricado por razões que em breve serão conhecidas, os prejudicados são os utentes de uma IPSS essencial para o seu bem estar.