Já quase todos os portugueses devem ter sido vítimas de drones. Ou porque lhes invadiram o espaço, ou porque os filmaram sem consentimento, ou simplesmente porque apanharam um susto quando passeavam na praia, ou no jardim, e um drone lhes passou uma tangente. Até em hotéis no Algarve corremos o risco de ficar registado para a posteridade o nosso banho na piscina, enquanto um drone sobrevoa a área onde está a ser servido o copo de água. Aconteceu-me duas vezes este ano. No Carvoeiro e no Alvor.
E aconteceu-me também, no Parque Oeste, estar tranquilamente a passear e quase ser abalroado por um drone "pilotado" por uma criancinha que, muito provavelmente, teria recebido um de presente de aniversário.
Vivendo no Estoril, em frente a um castelo muito requisitado para aniversários, casamentos, festas de figuras mediáticas, rádios ou televisões, os drones foram demasiado intrusivos na minha vida durante o Verão. Especialmente ao fim de semana. Se ia para a varanda em dia de evento festivo, sabia que um drone me iria sobrevoar e registar o meu banho de sol. Ou de Lua. Ou confirmar se estava a cumprir rigorosamente a dieta médica, ou a bebida que tinha ao meu lado era uma caipirinha, um mojito ou um whiskey.
Tanta intromissão começou a chatear-me e por duas vezes, em eventos festivos da TVI, estive tentado a enfrentar os drones. Da primeira vez gesticulando de forma pouco condizente com a minha postura, mas certamente muito do agrado de participantes e fãs de Casa dos Segredos e similares. Da segunda exibindo um cartaz onde apareciam fotomontagens de algumas personalidades do anterior governo presentes na festa de Verão da TVI . De ambas as vezes me contive, mas lamentei a ausência de legislação que regulasse os voos dos drones.
Nessa altura ainda não sabia que se regista um tão elevado número de ocorrências em Portugal, envolvendo operações de transporte aéreo. Até agora sem consequências graves mas, como mais vale prevenir do que remediar, o governo aprovou legislação que estabelece regras para a utilização profissional e lúdica de drones.
A Lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2017, estabelece um conjunto alargado de normas de utilização (voo) que me parece bastante razoável, prevê a aplicação de multas entre 250 e 250 mil euros para os infractores mas, como sempre acontece entre nós, está cheia de buracos por onde os infractores podem escapar.
Em primeiro lugar, como não é obrigatório o registo de propriedade dos drones, em caso de acidente poderá ser difícil ( ou mesmo impossível) saber quem é o culpado.
Em segundo lugar, a Lei não determina quem, e a partir de que idade, pode "pilotar" um drone. Ou seja, qualquer criança ou adolescente pode fazê-lo, sem sofrer consequências em caso de acidente. Isto é tanto mais grave, quanto o facto de os drones para fins não profissionais serem vendidos como brinquedos ( só este ano a Science 4 you vendeu 10 mil exemplares e prevê triplicar o número em 2017) o que aumenta o risco de "incidentes" mais ou menos graves, cujos responsáveis ficarão impunes.
Mais uma vez se demonstra que temos uma habilidade inata para fazer leis aborto. Ficam bem na fotografia, mas não servem para (quase) nada, porque, logo à partida, a sua eficácia foi coarctada pelo legislador.