Os mais chateados com a atribuição do Nobel a Bob Dylan são os livreiros. Já tinham preparadas resmas de Murakamis e Roths para por nas montras e sai-lhes o Dylan.
Verdade, verdadinha, é que Murakami há muito merece o Nobel mas, como expliquei em post anterior, a Academia não gosta muito de escritores de sucesso.
Ainda sou do tempo em que autores portugueses defendiam(ainda que timidamente) a atribuição do Nobel a José Carlos Ary dos Santos. Ary escreveu os poemas de muitas das mais belas canções portuguesas do século XX e tem frases publicitárias que fizeram história.
Agora, que o vencedor foi Bob Dylan, Alice Vieira diz que estão a gozar com ela e propõe candidatar Quim Barreiros no próximo ano.
Presumo que ainda hoje venha alguém dizer que afinal o Saraiva pode ter hipóteses. Aguardo, fremente de ansiedade, as opiniões do grande Rodrigues dos Santos e do Saraiva do buraco da fechadura.
Lá por fora, o vírus anti Dylan também entrou no mundo dos autores. Irvine Welsh, por exemplo, não está com meias tintas e opina sobre a atribuição do Prémio Nobel a Bob Dylan : um prémio marcado pela nostalgia, arrancado das "próstatas râncidas de hippies senis e sem sentido".
Esta malta da escrita está a ficar rançosa e com um aguçado espírito corporativo. No fundo não diferem muito dos taxistas em relação à Uber. O Nobel não pode ser atribuído a um cantautor, porque é concorrência desleal. Para esta tenebrosa trupe, poesia com música é heresia. Já poesia sem ritmo nem musicalidade, (estilo Fui à janela. Era meia noite. Vi passar um autocarro vazio. E chovia) é literatura da mais requintada.
Soube, há minutos, que o Prémio Nobel da Literatura foi atribuído a Bob Dylan.
Além de espanto, a minha reacção foi de enorme regozijo. Bob Dylan é um dos meus ( ou dos nossos) é como se o Nobel tivesse sido atribuído a um vizinho ou amigo.
Compreendo agora que o atraso na divulgação não se terá devido a uma discordância do júri relativamente aos nomes de Murakami ( O Lobo Antunes japonês, pois todos os anos é referido como nomeado) Adónis ( o sírio seria um premiado politicamente incorrecto) o queniano Thiong'O ( provavelmente o mais politicamente correcto) ou o americano Philip Roth ( demasiado mediático para uma Academia que gosta de galardoar autores mais recatados e menos conhecidos do grande público).
Entre os 20 "favoritos" das principais casas de apostas, nunca surgiu o nome de Bob Dylan, mais conhecido como o cantor de uma geração, do que pelos seus livros de poesia. A distinção é ainda mais surpreendente por se tratar de um compositor (músico) e pela justificação do júri "por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana". Apetece dizer:importa-se de repetir?
Adivinho a relutância de alguns dos membros do júri em aceitar a nomeação de Dylan, mas passo por cima disso e prefiro pensar que a justificação para o Nobel se encontra nas palavras de uma canção do poeta do beatnik:
"Times they are a changin" Come gather 'round people Wherever you roam And admit that the waters Around you have grown And accept it that soon You'll be drenched to the bone. If your time to you Is worth savin' Then you better start swimmin' Or you'll sink like a stone For the times they are a-changin'.
Come writers and critics Who prophesize with your pen And keep your eyes wide The chance won't come again And don't speak too soon For the wheel's still in spin And there's no tellin' who That it's namin'. For the loser now Will be later to win For the times they are a-changin'.
Come senators, congressmen Please heed the call Don't stand in the doorway Don't block up the hall For he that gets hurt Will be he who has stalled There's a battle outside And it is ragin'. It'll soon shake your windows And rattle your walls For the times they are a-changin'.
Come mothers and fathers Throughout the land And don't criticize What you can't understand Your sons and your daughters Are beyond your command Your old road is Rapidly agin'. Please get out of the new one If you can't lend your hand For the times they are a-changin' The line it is drawn The curse it is cast The slow one now Will later be fast As the present now Will later be past The order is Rapidly fadin'. And the first one now Will later be last For the times they are a-changin'.
Num tempo em que a Guerra Fria volta a ser uma ameaça, as pessoas já perceberam o embuste da globalização e os povos desistem da democracia, o Nobel da Literatura a Bob Dylan poderá não despertar consciências, mas pode ser um sinal que a Academia Sueca percebeu que vivemos um tempo de mudança.