A outra entrevista- a que me referia ontem no post sobre o SNS - foi publicada na revista Visão da semana
passada. A entrevistada, Fátima Cardoso, dirige o programa de investigação do
cancro da mama na Fundação Champalimaud.
Bem presente na memória de Fátima Cardoso estão outros
momentos que nos dão sobejos motivos para questionar o que andamos por cá a
fazer além de caçar Pokemons, esperar em
longas filas para comprar uma fartura, o livro do Harry Potter ou a última
novidade tecnológica ( porque queremos ser os primeiros) sem um protesto, ou
acusar o governo e os calhordas dos
funcionários públicos que nos obrigam a esperar uma hora na repartição de
finanças para pagar uma multa por não termos sido diligentes e conscienciosos
na declaração do IRS.
Entre as memórias bem presentes de Fátima Cardoso está a dificuldade
no recurso à quimioterapia oral, por questões meramente burocráticas, ou a
administração de um número exagerado de sessões de radioterapia, porque esse é
o interesse ( económico) dos hospitais.
Outro momento digno de registo na entrevista é quando Fátima
Cardoso alerta para a dificuldade em aceder a medicamentos antigos,
baratos e muito eficazes no combate ao cancro, em detrimento de
medicamentos novos, muitíssimo caros e que só funcionam associados aos
medicamentos antigos. A continuar assim, alerta, “deixamos de poder tratar
cancros, porque os medicamentos inovadores e caros são para um grupo limitado
de doentes”.
A médica lembra que esteve mais de um ano sem acesso a um
corticoide indispensável para o tratamento de metásteses cerebrais. O
medicamento até estava a ser produzido pela indústria, mas em quantidades
reduzidas e o que se produzia era desviado pelas distribuidoras para a Alemanha
que paga cinco vezes mais. Esta aberração explica-se porque as distribuidoras invocam o
mercado livre, essa maravilha tão
sedutora que, em nome do lucro, dá carta de alforria para deixar morrer
pessoas.
A entrevista a Fátima Cardoso permite perceber, de uma forma
muito clara, os interesses que se movem
por detrás de quem pretende destruir o SNS. No futuro, vale a pena estar atento
e tirar as devidas conclusões, quando um ex governante for contratado por uma
farmacêutica…
É cada vez mais notório que caminhamos para uma Medicina a
duas velocidades, onde quem tem dinheiro para pagar tem acesso a medicamentos e
quem não tem morre. Continuando assim, um dia destes havemos de querer SNS, mas
não o vamos ter- como já alertava a minha mãe.
Se outros factores supravenientes não anteciparem a necessidade de o fazer,
quando a extinção do SNS ( ou a sua redução a serviço para pobres) for uma
realidade, muitos perguntarão se valeu a pena o esforço para aumentar a
esperança de vida.
Não será uma conquista reservada apenas a quem tem dinheiro, cujo
investimento científico foi custeado
pelo Zé Contribuinte ( que dele não irá
beneficiar), porque os ricos não só não pagaram a crise, como também fogem aos
impostos?