quarta-feira, 24 de agosto de 2016
Requiem pelo SNS?
São muitas as pessoas com responsabilidade e conhecimento profundo da área da saúde, a avisar para os riscos de deterioração, quiçá destruição, do Serviço Nacional de Saúde.
As redes sociais não têm dado grande eco a esses avisos mas,
paulatinamente, quase em silêncio, os vampiros vão minando o sistema e impondo
as suas regras.
Nos últimos dias, duas entrevistas fizeram tocar as campainhas num qualquer
recanto do meu subconsciente. Numa delas, Constantino Sakellarides ( na foto), uma das
maiores autoridades em matéria de saúde, diz ao DN que “ Têm feito uma sangria no Serviço
Nacional de Saúde” e explica como: deixando sair profissionais competentes,
seguindo uma política de recrutamento assente no compadrio em detrimento das
qualificações, desinvestindo em equipamentos, cortando verbas, deixando
degradar a qualidade dos serviços.
Como explica este
jubilado que aos 75 anos continua apostado em defender e melhorar o SNS, a
acção dos governos nos últimos anos está em consonância com o ideário europeu,
manifestamente contrário a Serviços
Nacionais de Saúde e defensor da iniciativa privada, lucrativa para uns quantos,
penalizadora para a maioria dos cidadãos.
É recorrente ouvir
queixas de utentes sobre o mau funcionamento do SNS. A minha mãe usava uma expressão – e alguém me a relembrou há uns dias- que se adequa perfeitamente à relação que os
portugueses têm como os serviços de saúde: “hás-de
querer e não ter!”.
Com esta advertência, queria a minha mãe alertar-me para o facto de por
vezes desvalorizar aquilo que me ofereciam, ou não dar valor devido às circunstâncias que me permitiram, enquanto
criança e jovem, ter uma qualidade de vida muito superior à da maioria dos
portugueses.
Nunca esqueci este ensinamento e muitas vezes o invoco (como
ainda ontem fiz aqui) porque encerra uma verdade universal que a sociedade de
consumo desvalorizou, dela escarnecendo.
Ao cultivar o supérfluo e valorizar o desperdício, incitando-nos a
adquirir a novidade sem cuidar se dela precisamos, a sociedade de consumo criou
uma sociedade de idiotas, onde cada um se procura afirmar desde tenra idade,
não pelo que vale, mas sim pelo que tem. Como em tempos escrevi, vivemos num
modelo social onde é mais importante “parecê-lo” do que “sê-lo”. Por
arrastamento, desvalorizamos as conquistas de Abril ( de que o SNS é talvez o
exemplo mais paradigmático) que consideramos eternas, e estamos desatentos àqueles que nos querem privar
delas, em nome de um mercado livre onde em primeiro lugar está o dinheiro,
depois a economia e só no fim vêm as pessoas.
Com tanta desatenção, um dia acordamos e não temos SNS. Como
já não temos outras conquistas de Abril. Culpa exclusivamente nossa porque:
- ou andamos a votar naqueles que defendem os interesses das empresas e não os
das pessoas;
-ou estamos demasiado
absorvidos a desfrutar dos bens materiais supérfluos que a sociedade de
consumo promove através da publicidade e
não prestamos atenção a quem nos anda a querer roubar;
ou ainda porque se tornou tão normal ir para as urgências dos
hospitais, quando uma dor de cabeça nos
atormenta, que nem nos apercebemos que o recurso sistemático às urgências não
só coloca em causa a qualidade do serviço, como prejudica aqueles que têm
problemas de saúde graves.i
O SNS é demasiado importante para que o deixemos deteriorar-se, ou mesmo desaparecer, sem luta. De lamentos estamos todos fartos.
AVISO: No início do
post fiz referência a duas entrevistas. Como o texto já está demasiado longo,
abordarei a outra amanhã.
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