Quando soube que ontem iria haver um "Buzinão" contra as obras de melhoramento do Eixo Central de Lisboa ( Campo Grande/ Marquês de Pombal) a minha reacção imediata foi perguntar por que razão os lisboetas são contra obras que melhoram a qualidade de vida dos seus moradores e ficam indiferentes com obras que destroem o seu património cultural e histórico.
Porque não protestaram, por exemplo, contra a transformação do Saldanha num inferno com paredes de vidro, no tempo do Abacaxi?
Será por preguiça? Será por burrice?
Preguiça não é certamente, e a burrice não ataca assim!
É talvez desinteresse cultural.
Mas há pouco, há poucochinho, os lisboetas manifestavam a sua indignação com o encerramento de cinemas, a possibilidade de a Mexicana fechar originava uma petição para elevar a pastelaria a património cultural da cidade e até os frequentadores do Jamaica e do Tokyo (promovidos de casas de putas a discotecas) aspiraram a um lugar no santuário icónico da cidade...
Mas quem protesta assim, buzinando, em esforçada sinfonia, em hora de ponta tardia?
Quem atrasa o regresso a casa, num protesto contra o progresso?
Não é cultura, nem cidadania e a consciência ambiental não se manifesta assim.
Fui ver.
Era a cretinice. Saloia, mas encadernada em uniforme urbano. Olho-os a partir da Praça e meu Deus que aflição! Terei perdido a audição? Passam carros em abundância, mas buzinas só as oiço à distância.
Olho melhor quem passa e vejo através da vidraça, que quem buzina se escapa rumo ao túnel do Marquês, entre motos e câmaras de Têvês.
Mas afinal quem buzina nem sequer vive em Lisboa! É gente que vai e vem, diariamente, enchendo a cidade durante o dia e deixando-a à noite vazia!
Entra em mim a indignação. Porque protestam as gentes que nem da cidade são?
Passa também gente sofrida que ignora o buzinão e ciclistas urbanos que sofrem com tanta poluição.
Esta é gente de Lisboa, mas afinal não protesta.
Explique-me então, quem souber, tamanha contradição.
Se as obras são para o lisboeta, porque protesta o povão?
Querem que vos confesse uma coisa, do fundo do coração?
Estou farto de labregos que chegaram a Lisboa de carroça, espalhando bosta pelas ruas.
Foram viver para fora de portas e, como vingança, vêm cá todos os dias poluir a cidade montados em máquinas cada vez mais potentes. Para eles, o verde só serve para pasto das vacas que deixaram na terrinha, que visitam ao fim de semana.
Para eles, Lisboa são blocos de cimento, centros comerciais envidraçados e tipo" amaricano", muitas pizzarias, hamburguerias e outras porcarias como bares de gin manias.
Olho para os ciclistas. Joelhos esfolados, calções acolchoados, pezinhos bem doridos, abençoam as obras e ao Medina se mostram agradecidos.
Foram eles os protagonistas do falhado buzinão. À falta de buzinadelas, foram eles a dar entrevistas à televisão. Com duas pedaladas se esfumou a onda de contestação.
Os lisboetas e aqueles que cá vivem agradecem. As obras do Eixo Central são uma mais valia para a cidade. Quem faz do carro extensão do corpo é que não gosta de ouvir esta verdade.
Penso nisto e uma alegria me invade. Fracassou o buzinão, quem ganhou foi a cidade.