"O grande problema da Europa é os europeus terem perdido referências e, sobretudo, memória. Dentro de 20 anos a maioria da população europeia dividir-se-á em dois grandes grupos: os idosos, afectados por Alzheimer e outras doenças mentais, que já não se recordarão das guerras mundiais nem das atrocidades nazis e os mais jovens que nunca souberam o que é viver em guerra, ou sem democracia, que desvalorizam o fascismo e menosprezam a política porque os mais velhos se esqueceram de os alertar para essas questões.
Pelo contrário. Para evitar traumas aos filhos e netos, procuraram adocicar a realidade do seu passado e enaltecer as virtudes da sociedade de consumo onde tudo está ao seu alcance, desde que trabalhem para ganhar dinheiro.
Será esta postura de submissão ao consumismo desenfreado, que fomenta o desperdício, que irá ditar o fim da Europa dentro de algumas décadas. Os líderes gerados por esta sociedade de consumo serão fracos, sem memória, formatados nas juventudes partidárias e agirão como autómatos submetendo-se às ordens dos mercados que ditarão as regras da política europeia.
O desmembramento da URSS, tão aclamado por partidos de direita e socialistas, será então encarado de outra forma e perceberemos, à custa de sangue, suor e lágrimas, que o bloco de Leste garantia a estabilidade e a paz na Europa. Bens que se perderão, porque a CEE será vítima dos seus próprios erros de avaliação. A sociedade do Bem Estar não estará garantida eternamente, se os povos não tiverem referências e, sobretudo, ignorarem as lições da História.
Gostaria de estar enganado mas, se daqui a 20 ou 30 anos ainda por cá andar e continuar a escrever em jornais, estarei certamente a confirmar a morte de uma Europa que se deixou enlear pelos cantos da sociedade de consumo e irá acabar refém de poderes ditatoriais, que utilizaram a arma do crédito barato ao consumo para seduzir os cidadãos. A vida dos europeus será controlada como nunca, a prometida sociedade do lazer e da abundância criará desemprego e uma enorme franja de população faminta terá de ser controlada para que a ordem seja mantida.
Pior ainda, será constatar que se confirmará aquilo que alguns cientistas prenunciaram há meses na Cimeira do Rio: a Europa será invadida por hordas de migrantes famintos, provenientes do Norte de África, fugindo à fome e à guerra, porque a globalização é uma mentira. Não elimina as causas da pobreza e apenas beneficiará os países mais desenvolvidos, as empresas melhor apetrechadas para investirem em países com mão de obra barata e os investidores sem rosto. Eles são os grandes defensores da globalização, porque ficarão ainda mais ricos.(...)"
( Excerto de um artigo que escrevi na Tribuna de Macau em Setembro de 1992)