Quando começava a ecoar nos ares a pergunta “ Vamos ao
Palácio?”, era como se um pregão me anunciasse a chegada do Verão.
Nos anos em que não
havia exames, era sinal de que as férias iam começar, nos outros um aviso para
acelerar os estudos, porque dali a poucas semanas seria posto à prova o meu
trabalho durante os anos precedentes.
Os leitores do Porto sabem
bem o significado da pergunta “ Vamos ao Palácio?” mas, aos que aqui
aportam vindos de outras paragens, devo uma explicação.
Durante as férias grandes , as idas ao Palácio durante a
tarde, com amigos, eram frequentes e uma das raras oportunidades que se
ofereciam, a muitos jovens adolescentes, de traquinar ao ar livre em plena
liberdade.
“Ir ao Palácio” era ir à Feira Popular. Era comer farturas,
jogar matraquilhos, andar nos carrinhos de choque, passear na Av das Tílias, catrapiscar um
namorico, responder à chamada quando uma mulher corpulenta convidava “ Oh freguês, vai um
tirinho?”, comer um “Palino” , ou devorar um balde de pipocas,
sem ter de ouvir os alertas dos progenitores para eventuais excessos.
À noite, normalmente, “Ir ao Palácio” tinha outro
significado. Eram idas em família, onde se incluía um passeio na Avenida e uma
fuga com hora marcada e uns tostões extra no bolso, enquanto os adultos se
sentavam na esplanada a tomar qualquer
coisa. Antes do regresso, fazia-se a romaria pelas chocolateiras, fazendo furos
na expectativa da bola dourada, prémio supremo a que se tinha direito.
Alguns leitores já terão porventura perguntado por que raio
no Porto se chamava Palácio à Feira Popular.
Ora, a resposta a essa magna questão, é o objectivo do “Bibó Porto”
desta semana.
Apesar das peculiaridades do linguarejar nortenho, Feira
Popular não é sinónimo de Palácio. E, ao contrário do que eu pensei na primeira
vez que lá fui, na companhia dos meus pais, também não havia no recinto nenhum
palácio encantado, povoado por princesas, bruxas e duendes. Por isso, nessa primeira visita ao Palácio,
massacrei os meus pais com a pergunta: “Quando é que vamos ao Palácio?” . Só no
regresso a casa a minha mãe se apressou
a dar resposta à minha insistente pergunta. Pegou no álbum de fotografias e
mostrou-me este Palácio de Cristal.
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Vista dos jardins e do interior |
Que eu não vira porque, em seu lugar, havia então um enorme cogumelo
( que se viria a chamar Rosa Mota), em cujo interior se praticavam desportos,
nomeadamente hóquei em patins, modalidade de que me tornei fão desde que em
1956, com 6 aninhos apenas, me juntei a
mais alguns milhares de gargantas e gritei a plenos pulmões “ Viva
Portugal!” depois de uma vitória estrondosa sobre os inimigos espanhóis, que
permitiu aos bravos lusos conquistar o
campeonato do mundo da modalidade, coisa que deveria ser tão extraordinária que
me senti na obrigação de fixar, para toda a eternidade, o cinco das “quinas”:
Moreira, Vaz Guedes, Adrião Velasco e Bouçós. Particularidade que também nunca
esqueci, é que destes cinco hoquistas, quatro eram moçambicanos. Razão porque
à saída perguntei ao meu pai:
“Então eles são de África e nenhum é preto?”
Ainda hoje recordo o olhar fulminante que o meu pai me devolveu e como me obrigou a estugar o
passo até ao carro, onde me deu uma rabecada por tão insolente pergunta.
Aqui chegados, a
maioria dos leitores já terá desistido da leitura mas, para os
resistentes, explicarei que o Palácio de Cristal foi construído em 1865 para albergar a 1ª
Exposição Internacional Portuguesa, uma iniciativa de comerciantes da cidade.
Dizem os documentos da época, que a exposição se enquadrava
no âmbito das grandes exposições mundiais, rivalizando com a de Londres ( Hyde
Park) e Paris e o Palácio de Cristal foi construído à semelhança do Crystal
Palace londrino.
Ora era nos jardins do Palácio de Cristal, demolido em 1951(
para dar lugar ao tal cogumelo que se viria a chamar Rosa Mota) que todos os
anos tinha lugar a Feira Popular do Porto.
Ano passado fiz uma visita de reconhecimento aos jardins do
Palácio de Cristal, onde tirei as fotos que aqui publico.
Recomendo aos visitantes da minha bela cidade do Porto, uma visita
demorada, em dia primaveril ou estival, para desfrutar da frescura, ver as avestruzes, apreciar as estátuas, os lagos e, acima de
tudo, maravilhar-se com a magnífica vista sobre o Douro.
Ao final da tarde, aproveite e vá tomar um vinho do Porto aqui,
enquanto vê o pôr do sol.