Fui ver Spotlight, no dia em que se ficou a saber que o Papa
João Paulo II manteve, durante décadas, correspondência com uma filósofa polaca.
Abstenho-me de comentar alguns títulos que apareceram na
comunicação social a propósito dessas cartas, com sobejas referências ao facto
de a mulher ser casada. Ao chamar o filme à colação, poderiam os leitores
pensar que iria aqui dissertar sobre os
amores do Papa e a hipocrisia da Igreja, quando mantém o celibato e faz tudo
para ocultar casos de cariz sexual que se passam no seu seio.
Ou na importância do jornalismo de investigação numa
democracia e lamentar a falta de condições que os jornalistas portugueses têm
para investigar. Nada disso. São dois temas demasiado gastos, vistos sempre sob
a mesma perspectiva, normalmente limitada, de que a culpa é exclusivamente dos
agentes.
Não é!
Se a pedofilia na
Igreja persiste e, aparentemente, até está a aumentar, é porque as vítimas se
calam, ou são obrigadas a calar-se pelos seus progenitores. Isso é tão mais
claro, quanto mais católico é o palco da actuação dos agentes da Igreja. Não é
por acaso que na Europa a Irlanda tem sido o paraíso dos padres pedófilos, nem foi mera casualidade
que, nos EUA, a conservadoríssima Boston
tenha servido de cenário a um dos
maiores escândalos da Igreja.
Por outro lado, é bom não esquecer que o caso Spotlight só
foi divulgado em 2002 porque, antes, o mesmo jornal não avançou com a
investigação, apesar de estar na posse de todos os elementos. Foi a falta de
profissionalismo de um conceituado jornalista, que impediu que a investigação
avançasse muitos anos antes. A falta de coragem de um jornalista que silenciou
os factos, com medo das consequências, permitiu que muitas crianças fossem
molestadas por padres paranóicos. A mesma responsabilidade tiveram agentes da
justiça e pais e familiares das crianças abusadas. Em nome da Igreja calaram-se
e tornaram-se coniventes de milhares de crimes contra crianças ocorridos durante
décadas. Dir-se-á que o poder da Igreja é enorme…mas se não houvesse conivência
do poder, da justiça e da comunicação social, ou indiferença e temor
reverencial da comunidade em relação à Igreja,
esta não teria sido desmascarada há muito mais tempo?
O caso (verídico) abordado em Spotlight é um libelo
acusatório à Igreja Católica mas, em minha opinião, deixa muito maltratado o
jornalismo e os cidadãos que se demitem de exercer o seu dever cívico,
contribuindo assim para que os crimes fiquem impunes. Mas se Spotlight aborda
um crime praticado pela Igreja escondido por toda a gente com influência em
Boston, ele serve também de alerta para o que se passa noutros sectores de
actividade. Obviamente, logo me ocorreu o que se passa com o jornalismo
económico e político.
Não precisamos de sair de Portugal para percebermos como
ambos estão fortemente ligados Quem não
se lembra do inusitado número de jornalistas ( muitos deles do DN) que em 2011
fizeram campanha a favor de Passos
Coelho nos jornais onde trabalhavam e na blogosfera? Menos serão, no entanto,
os que seguiram o rasto desses jornalistas depois das eleições. Foram para gabinetes ministeriais, ou
dirigentes de empresas públicas e administração pública. Alguns deles, a única
credencial que tinham era mesmo o favorecimento do PSD/CDS, durante a campanha eleitoral. Em alguns casos, a CRESAP
evidenciou essa impreparação, mas o governo fez orelhas moucas e nomeou-os à
mesma.
Já, em matéria económica, seria importante divulgar as
ligações que alguns jornalistas têm a interesses e grupos económicos, para
percebermos a razão de fazerem análises meramente ideológicas e/ou partidárias
sobre determinados factos.
Recordo apenas um caso recente:
Quando Mario Draghi prometeu tudo fazer para salvar o €, a
maioria dos jornalistas e comentadores da área económica não relacionou as
medidas então tomadas pelo BCE com a evolução
do país para uma situação mais desafogada. Preferiu (essa maioria)
enaltecer o trabalho do governo e a
coragem em tomar medidas de austeriodade.
Ora, há duas semanas, os juros da dívida pública dispararam,
tendo chegado a atingir os 4,5%. A subida das taxas de juro atingiu todos os
países periféricos, mas esses mesmos jornalistas apontaram o dedo ao governo,
acusando-o de ser o responsável pelo nervosismo dos mercados, por ter feito um
OE irrealista.
Esta semana, depois de Mario Draghi ter voltado a manifestar
publicamente a intenção de tomar medidas para salvar o €, as taxas de juro
começaram a baixar de imediato e esses mesmos jornalistas que acusavam o
governo de ter elaborado um OE irresponsável, esqueceram a acusação e
apressaram-se a escrever que a baixa das taxas de juro se deve apenas a Mario
Draghi.
Eu pergunto-me apenas: estes jornalistas estão a soldo de
quem? Há jornalistas que sabem a resposta mas, tal como no caso Spotlight, não
a divulgam publicamente com medo de represálias.
Basta, porém, a qualquer cidadão mais atento lembrar-se
quais eram os jornalistas que defendiam o BES com unhas e dentes, fazendo
alarde da sua solidez e constatar por onde é que eles andam agora, para
perceber o que se passa.
Outras ligações, a outros interesses, ainda estão
camufladas, mas acredito que é apenas uma questão de tempo até serem
desmascarados. É que são estes
jornalistas, ao serviço de partidos políticos e grupos económicos, que
estão a matar os jornais, não é a Internet!