Ministra da Justiça quer combater produtos milagre
Quando se fala de negócios da saúde, somos normalmente "levados" para o campo dos hospitais privados onde, não raras vezes, se paga por serviços e cuidados médicos desnecessários, ou são cobradas exorbitâncias por serviços menores ( ainda há dias, soube do caso de um hospital que cobrou 15€ por uma pesagem...)
Os negócios da saúde não se restringem, porém, às práticas de alguns hospitais privados. A saúde é um manancial de bons negócios, a maioria das vezes explorando a crendice popular ou a ignorância.
Se a venda de alicamentos ( produtos alimentares com alegadas "propriedades medicinais") e medicamentos contrafeitos é um crime facilmente detectável e punível por lei, já no negócio dos produtos de emagrecimento, anti envelhecimento ou similares, nem sempre é fácil separar a vigarice científica da vigarice comercial. Quero com isto dizer, que há produtos à venda no mercado cujas propriedades a publicidade promove, mas cujas "virtudes" uma leitura minimamente atenta desmonta facilmente, enquanto outros se apresentam no mercado envoltos numa "credibilidade científica" mais difícil de desmontar.
(Em 1995 fiz um trabalho de investigação centrado na publicidade a estes produtos que me valeu um prestigiado prémio de jornalismo.
Recordo bem as dificuldades e os muros de silêncio em que esbarrei para o produzir.
O trabalho foi publicado numa revista especializada mas, apesar do mérito reconhecido pelo júri que o avaliou, a imprensa generalista não lhe fez referência.
Como poderia fazê-lo, se o artigo denunciava produtos que os jornais e as televisões publicitavam?)
Uma das grandes fontes de negócio na área da saúde é a venda dos"produtos milagre". Não é só o creme que transforma a Bruxa Má em Bela Adormecida, ou a pílula que reduz a desmesurada cintura de Obélix ao universo unidimensional de Olívia Palito.
É também a pulseira que alivia as dores nas costas e cura o reumático, ou o amuleto que trata a espinha bífida, o pé de atleta ou a unha encravada. Todos estes "produtos milagre" ficaram a dever o seu sucesso a uma publicidade que explorava a crendice popular, a superstição, o medo e a fé dos consumidores.
Para dar mais credibilidade aos produtos, a publicidade recorria a testemunhos "verídicos" (leia-se a troco de muitos milhares de escudos) de vedetas televisivas ou do mundo do espectáculo. Esta prática só foi estancada por uma alteração ao Código da Publicidade em 1998.
Com essa alteração,o Código da Publicidade passou a referenciar de forma muito clara a proibição de publicitar bens ou serviços milagrosos e fez recair sobre o anunciante a obrigatoriedade de provar as alegações científicas invocadas, bem como comprovar os benefícios para os consumidores anunciados.
Com uma pequena alteração legislativa que "matava" o mensageiro, foi possível (quase) acabar com o negócio dos produtos-milagre que ludibriou milhares de consumidores portugueses e encheu os bolsos de algumas vedetas da televisão e do mundo do espectáculo.
Só que, como em tudo na vida, o tuga põe e o Parlamento Europeu dispõe. Assim, em 2008, os deputados europeus aprovaram a Lei das Práticas Comerciais Desleais cujo efeito prático foi a revogação da norma do Código de Publicidade Português que fazia recair sobre o anunciante a obrigatoriedade da prova.
Graças ao brilhante contributo dos deputados europeus, as alegações de que um bem ou serviço tem propriedades curativas de doenças, malformações e disfunções, passaram a ser enquadradas no âmbito da publicidade enganosa desde que... sejam falsas!
Exigir que seja o queixoso a provar a falsidade das propriedades curativas dos produtos milagre, em vez de obrigar o produtor e/ou o meio publicitário a provar a sua veracidade, estimulou os anunciantes que se sentiram desobrigados de cumprir o que o Código da Publicidade lhes exigia.
Por um lado, os "testemunhos" passaram a ser considerados apenas um mero ilícito de ordenação social, passível de uma coima entre os 3 mil e os 45 mil euros. Ou seja, face aos montantes pagos pela publicidade, o crime compensa.
Por outro lado, compete à ASAE a fiscalização e instauração de processos de contra ordenação nesta matéria mas, diligentemente, o governo anterior ( graças ao prestimoso empenho de Adolfo Mesquita nunes e Pires de Lima) decapitou aquele organismo, reduzindo quase a zero a sua capacidade operacional no terreno.
Conseguirá a ministra da Saúde, com todo o seu empenho e conhecimento técnico, convencer os seus colegas do governo a restituir à ASAE a capacidade fiscalizadora e interventiva, que lhe permita acabar com o forró que se instalou em Portugal?
Tenho as minhas dúvidas...
Mesmo que devolvida à ASAE a sua capacidade operacional,ainda falta superar a inércia dos tribunais e a habitual condescendência dos juízes em matéria de direitos do consumidor.
Seja como for, fico a torcer pelo sucesso da ministra.