Os ataques aos funcionários públicos vêm de longe.
Embora poucos se recordem, começaram timidamente quando Manuela Ferreira Leite ( hoje uma defensora da dignidade da função pública) era ministra das finanças; intensificaram-se com os cortes de salários de Sócrates e atingiram o pico com a cambada actualmente no poder, que os identificou como alvo preferencial da sua política de austeridade.
Para além da redução de salários e do corte do subsídio de férias e de Natal ( travados pelo Tribunal Constitucional) a troika Coelho, Portas, Gaspar/ Marilú aumentou brutalmente os descontos para a ADSE, congelou definitivamente as progressões nas carreiras, diminuiu férias, aumentou horário de trabalho, partidarizou a administração pública desde os lugares de topo às chefias intermédias e fez passar insistentemente para a opinião pública, a mensagem de que a administração pública é um bando de incompetentes, viciosos e gastadores que consome os recursos do Estado.
Muitos funcionários públicos terão acreditado que o PS de António Costa poderia inverter o ciclo e restituir a dignidade aos funcionários públicos. Bem podem desenganar-se!
A pretexto da transparência, o PS apresentou uma proposta em que defende a divulgação pública dos salários de todos os funcionários públicos.
O projecto - elaborado por José Magalhães - indicia que também os socialistas olham para o aparelho do Estado como um grupo de bandidos corruptos que deve ser despido em praça pública, para que a populaça os aponte a dedo como privilegiados do sistema e responsáveis pelo estado a que esta merda de país chegou. Quiçá, como fonte da corrupção que grassa no país.
Já aqui escrevi- e não mudei de opinião- que muitos funcionários públicos são merecedores desta caça às bruxas, porque vivem num sistema de castas onde ninguém quer perder privilégios ( que existem, como demonstra de modo exuberante o sistema remuneratório diferenciado, que favorece desigualdades gritantes, graças a subsídios e complementos por vezes inexplicáveis) e nunca souberam unir-se na defesa de interesses comuns.
Não deixa de ser preocupante, porém, constatar que numa altura em que se discute o direito ao sigilo fiscal e à protecção de dados, o PS apresente uma proposta que visa expor nominal e publicamente os rendimentos dos funcionários públicos. Proposta de alcance pouco claro, já que as tabelas salariais são públicas e estão ao alcance de qualquer cidadão. Individualizar essa exposição,tornado-a nominal desde o lugar de topo até à base, só contribui para prosseguir a política de demonização e suspeição do funcionalismo público iniciada pelo actual governo. Sem acusar ninguém, mas levantando suspeitas, o PS olha para a administração pública com os mesmos olhos da coligação PSD/CDS.
Será esta rosa, flor que se cheire?
Não chega acenar com políticas sociais para ganhar eleições. É preciso fazer diferente e ser assertivo nas políticas económicas e laborais. Ser claro na política fiscal e distributiva e sobre o papel do Estado. Sei que o PS apresentará o seu programa no dia 6 de Junho mas... se é para fazer mais do mesmo - ou pior- então um voto no PS nas legislativas do outono é absolutamente inútil. Não me restrinjo, obviamente, à posição do PS em relação ao funcionalismo público. Só utilizei como exemplo, porque o partido da rosa optou por dar a cara nesta matéria. E fez bem, para que nenhum funcionário público vote enganado.