Tocaram à campainha. Ainda meio sonolento, Rodrigo levantou-se da cama e espreitou pela janela para ver quem era. A cara pareceu-lhe familiar, mas não conseguiu identificar de imediato. Vestiu o roupão, desceu as escadas, abriu o postigo e perguntou “quem é?”
- Sou eu , o Fontes. Já não te lembras de mim?
Mas que raio quer o Fontes a esta hora da manhã?- interrogou-se. Sem esperar pela resposta abriu a porta e mandou-o entrar.
-Então que te traz por cá?
-Eh pá, desculpa acordar-te, eu sei que ainda é muito cedo para ti, mas tenho um negócio bestial para te propor. Tens cinco minutos?
- Senta aí. Tomas um café?
- Não, pá, estou cheio de pressa. Olha, o que te tenho a propor é o seguinte. Tenho umas poupanças e vou aplicá-las num investimento que rende 10% ao ano. Foi um amigo que me propôs e eu lembrei-me de te perguntar se querias alinhar.
Rodrigo esfregou os olhos. Pensou uma fracção de segundo
- Tens confiança nesse teu amigo?
- Confiança total. Conheço-o há mais de 40 anos, é um tipo honesto como já não se vê neste país. Podes confiar à vontade.
- Então entro com 10 mil euros
- Só? Estás reformado, com os cortes nas pensões ficaste com uma pensão de miséria, esta é uma oportunidade de recuperares o que o governo te anda a roubar.
- És capaz de ter razão. Olha então aplico no negócio do teu amigo 50 mil. Fico apenas com uns dinheiritos para as despesas correntes. Vivo bem com os juros .
- Pois, foi o que eu fiz. Vou vivendo dos juros e a conta fica para os miúdos, coitados, que com a crise que por aí vai não sei como se vão safar quando terminarem os estudos. Então assina aí. Dá-me o NIB para autorizares a transferência da tua conta.
- OK. Se me dizes que o teu amigo é de confiança…
- Podes crer. O Ricardo é um tipo com nome na praça, tem uma empresa sólida como poucas e sempre cumpriu os seus compromissos. Parece que até vai ser condecorado pelo PR, que também o tem em muito boa conta e o considera um empresário de sucesso. Não há que desconfiar. Bem, vou indo, porque tenho de entregar a papelada toda até ao final da manhã. Depois digo-te qualquer coisa.
Três meses depois...
Rodrigo acabou de jantar e está sentado diante do televisor . Toca o telemóvel. É o Fontes.
- Olá Rodrigo! Tenho uma notícia chata para te dar.
-…
- Estás-me a ouvir?
- Sim, diz lá…
- O teu dinheiro foi pelo cano. A empresa do meu amigo faliu. Estava cheio de dívidas e não aguentou. Ainda pediu ajuda ao governo, mas eles mandaram-no dar uma volta.
Por momentos, Rodrigo ficou sem fala. Tentou recuperar a calma e finalmente disse:
- Isto na vai ficar assim.
Dias depois Rodrigo meteu um processo contra o Fontes e o amigo. No dia do julgamento, o juiz sentenciou:
- O senhor Rodrigo poderá recuperar 30 a 40 % do seu investimento, se o aplicar numa empresa do irmão do amigo do senhor Fontes, mas não poderá mexer no dinheiro, pelo menos durante um ano.
Substituam o Fontes pelo gestor de conta do BES ( um amigo para todas as ocasiões), o juiz por Carlos Costa e o Rodrigo por um investidor enganado e têm um cenário possível para o que se está a passar no caso BES.
Como é possível o governador do Banco de Portugal, entidade reguladora em quem é suposto os consumidores depositarem confiança na defesa dos seus direitos, fazer esta proposta indecorosa a pessoas que foram enganadas por um trafulha que, ainda por cima, contou com o aval do PR?
Apesar de hoje Carlos Costa ter dito que "não havia nada para ninguém", não acredit. Estamos em ano de eleições e, mais cedo ou mais tarde, os lesados verão o dinheiro de volta. O mais próximo possível das eleições, para que os portugueses não tenham tempo de se aperceberem que serão eles a pagar as trafulhices do BES e a indemnizar aqueles que foram enganados com papel comercial, produto de risco que lhes foi "vendido" como investimento seguro.