
Genericamente concordo com
o Pedro e a Teresa. Acontece, no entanto, que não se pode reduzir a questão dos Miró a um
fait divers , ou a estratégia para distrair papalvos. Com efeito, subjaz ao caso da venda dos Miró um caso de ilegalidade grave praticada por um membro do governo, que autorizou (
ou pelo menos fechou os olhos) a saída ilegal dos quadros. Não se pode escamotear, neste caso, a responsabilidade política ( eventualmente até criminal) de um membro do governo. É certo que, habilmente, a direita desviou a discussão sobre os Miró para um certo pedantismo cultural, omitindo por completo a vertente da ilegalidade. A direita é useira e vezeira nessa estratégia e- reconheça-se- tem obtido frutos, como demonstra o facto de hoje estar instalada no poder em toda a Europa, com os resultados catastróficos que já se conhecem, mas que ainda estão longe de estar esgotados.
Não percamos no entanto de vista o essencial, que Ricardo Araújo Pereira resumiu ( mais ou menos) assim:
este governo começou por roubar os portugueses; agora passou ao contrabando. De que estão os portugueses à espera para reagir? Que os nosso governantes comecem a traficar droga?
O mesmo se aplica em relação às praxes. Correram rios de tinta, escreveram-se dislates , promoveram-se debates, fez-se investigação jornalística, levantaram-se suspeitas sobre o desastre do Meco. Dali a centrar a discussão sobre as praxes e a necessidade (ou não) de as proibir ou regulamentar, foi um instantinho.
Ora, em minha opinião, independentemente de saber se o acidente do Meco ocorreu na sequência de práticas relacionadas com a praxe, o que importa saber é se houve crime ou não. É por aí que a discussão se deve iniciar e só depois estabelecer uma relação entre a praxe e as práticas criminosas que eventualmente lhe possam estar associadas.
Tal como os Miró, a discussão sobre as praxes também me parece ser bastante útil, porque revela o tipo de jovens que estão a ser formados nas Universidades e até que ponto as práticas praxistas são integradoras e aceites por uma maioria, como nos têm querido fazer crer. Acontece é que, mais uma vez, a discussão assentou sobre a árvore, perdendo-se a noção da floresta.
O que é preocupante, quando se discutem temas que atravessam horizontalmente a sociedade portuguesa, é a superficialidade e o engajamento que domina as discussões. Para já não falar da efemeridade… Assim que outro tema “palpitante” salta para as primeiras páginas, ou abre telejornais, logo o tema precedente deixa de ser discutido. A efemeridade da discussão não é um problema recente. Surgiu com a sociedade de consumo mediática que começou a coarctar a nossa liberdade, quando condicionou a agenda dos consumidores e se especializou na padronização dos seus comportamentos.
Paradoxalmente, a sociedade da hiperescolha (onde a liberdade individual foi erigida a mandante dos mercados, condicionando as leis da oferta e da procura), transformou-se numa sociedade mimetizada, onde o comportamento dos indivíduos é determinado pelos media, pela publicidade e pelas centrais de comunicação. Estas, por sua vez, resultam de uma interacção entre os media e o poder político.
Tudo isto é sabido e, por isso mesmo, é que não me parece despiciendo discutir temas determinados pela agenda mediática das centrais de intoxicação. Bem pelo contrário. O importante é que saibamos fazer essa discussão libertando-nos da caixa, pensando livremente. Quando pensamos, ficamos um bocadinho melhores... por isso devíamos exigir aos nossos governantes e partidos da oposição que fomentassem a reflexão, antes de agirem ou de falarem. Coisa difícil, pois pelo menos no Centrão essa prática de reflectir sobre as coisa, fora da caixa da política, caiu em desuso!