Depois da esmagadora vitória e da elevada comparência às urnas, ficou provado que António Costa tinha razão quando desafiou Seguro. A maioria dos socialistas exigia uma mudança na liderança do PS. António Costa interpretou esse desejo, deu a cara e ganhou. Sem espinhas.
Ontem ouvi muitos socialistas e muitos comentadores dizerem que foi uma derrota para a direita. É verdade, mas a esquerda também não gostou da vitória de António Costa e, em certa medida, também saiu a perder. PCP e BE estavam mais confortáveis com Seguro e as reacções de Louçã e Jerónimo de Sousa são bem eloquentes sobre os engulhos que a vitória de Costa lhes provocou. Adiante…
Celebrada a vitória, é altura de guardar as bandeiras e conter a euforia . Avizinham-se tempos difíceis. Se é verdade que a dimensão da vitória irá permitir mais facilmente a união entre os socialistas e permitir a Costa centrar-se exclusivamente nos problemas do país, isso não torna a tarefa mais fácil.
1-Dentro de dias vai começar a discussão do OE 2015 e Passos Coelho será obrigado a amenizar a austeridade, na tentativa de roubar espaço às críticas de Costa. É provável uma ligeira diminuição dos impostos e algumas medidas eleitoralistas, de modo a agradar ao eleitorado e dificultar um voto contra do PS.
O PS não poderá votar contra um OE que seja do agrado ( ainda que temporário e ilusório) dos portugueses mas, se optar pela abstenção, Costa terá de suportar as críticas dos seguristas. O assunto vai ter de ser gerido com pinças e, seja qual for a decisão, deverá ser bem clara para todos os portugueses.
2-O PS vai ser obrigado a definir, em breve, a sua política de alianças. A reacção de Jerónimo de Sousa permite perceber que o PCP não está interessado em alianças. Aliás, como vem sendo hábito, se o PS ganhar as próximas legislativas com maioria absoluta ( o que não é provável), no dia seguinte veremos o PCP aliar-se ao PSD , para derrubar o governo.
3- Também não será fácil contar com o apoio do que restará do BE. O que Louçã escreveu ontem no FB deixa pouca margem para dúvidas, mas tem a virtude de esclarecer que os valores da democracia para a extrema esquerda só são aceitáveis fora do círculo delimitado pelo próprio umbigo.
4- Costa já demonstrou ser hábil a negociar consensos mas, afastada a hipótese de o fazer com os partidos de esquerda com representação parlamentar, o espaço de manobra reduz-se drasticamente.
Terá, por isso, que aproveitar a galvanização da sua vitória interna- que se estendeu muito para além dos simpatizantes do PS- e tentar ampliá-la criando um clima de esperança nos portugueses em relação ao futuro . Para isso tem de assumir compromissos e dizer claramente, sem meias palavras, o que pretende fazer se vier a ser PM.
5- Aproveitar a fragilidade de PPC, ferido de morte politicamente, com o caso Tecnoforma, não deixará de ser uma tentação para o novo líder do PS. Terá de o fazer com bom senso e na medida certa. É importante manter Coelho a cozer em lume brando, mas sem que se chamusque demasiado, dando origem a uma crise interna no PSD e a uma alteração na liderança. Rui Rio seria um adversário temível e criou no país a imagem de que é muito diferente de Passos Coelho. Só quem não sabe como ele geriu a Câmara do Porto é que acredita nessa história da Carochinha. Com Rui Rio a austeridade será implacável, mas virá com outras roupagens.
6- Os desafios que se colocam ao país e ao PS obrigam António Costa a abandonar o discurso minimalista e abrir o jogo. Os portugueses compreendem as reservas durante a campanha interna mas, a partir de agora, vão pedir mais a António Costa: vão exigir que ele mostre, com propostas concretas, as diferenças de fazer política e as ideias que tem para o país, que o separam de Seguro e de Passos.
7- Não é provável que Costa o faça antes de ser eleito SG do PS. Em minha opinião, não é sequer desejável . Mais uma razão para acelerar as directas e eleger o novo SG do PS, o mais depressa possível. É a partir desse dia que o tempo começa a contar.
8- A direita já começou a reclamar a saída de António Costa da Câmara. É pouco provável- e nada desejável- que o faça antes de Cavaco marcar a data das legislativas. Seria melhor para todos que as legislativas se realizassem em maio ou Junho, dando tempo para que o novo governo possa elaborar o orçamento para 2016. Cavaco- que já pensou de igual forma- está agora ao lado dos seus correligionários e não quer antecipar as eleições. Ele quer é mesmo que o país se afunde- quanto mais melhor- e que o PSD esteja no governo o máximo tempo possível. O interesse do país que se lixe. Primeiro estão os interesses do PSD.
9- De qualquer modo, seja qual for a obstrução de Cavaco, hoje, começou um novo ciclo no país. Pela primeira vez, nos últimos três anos, temos um líder da oposição credível e um governo completamente descredibilizado, por força da fragilidade do seu líder, envolto em suspeitas que não consegue iludir.
10- Passos e Portas estarão a esta hora preocupados com o futuro. A estratégia para o OE 2015 irá ser alterada. Portas irá ganhar alguns pontos, nomeadamente no que concerne à carga fiscal mas, em troca, terá de aceitar a coligação com o PSD para as legislativas de 2015, pois é a única forma de Passos Coelho minorar as perdas.