Quem acredita que dentro de dois, cinco, ou mesmo 10 anos, Portugal terá saído da crise , desengane-se. A crise não apareceu por acaso, nem porque vivemos acima das possibilidades, nem por culpa exclusiva dos bancos. Ela resultou de uma estratégia concertada entre poder político e poder financeiro.
Tudo começou quando os mais poderosos países europeus perceberam que a queda do muro de Berlim e a globalização afinal não eram bons negócios. A emergência de países como a China, a Índia e mesmo o Brasil e a Rússia, retirou competitividade à Europa, que começou a ser invadida por produtos originários daqueles países. Ao contrário do que os principais lideres europeus pensavam, os novos mercados de Leste não passaram a absorver a produção excedentária das maiores economias europeias. Pelo contrário, foram os países emergentes a aproveitar estes novos mercados.
Por outro lado, aproveitando as regras da globalização, os grandes grupos económicos deslocalizaram-se para países onde a mão de obra era mais barata e a UE, de um momento para o outro, viu-se desindustrializada, passando a ser um grande mercado de serviços.
A situação já era insustentável em meados dos anos 90. Quem nessa altura visitou países como a Hungria ou a Polónia, percebeu rapidamente que a estratégia europeia iria redundar num imbróglio, cuja solução não seria fácil. Nas ruas de Varsóvia ou Budapeste, mas também nos países Bálticos, na Roménia ou na Bulgária, estava visível o futuro da Europa: milhares de desempregados famintos, lutando pela sobrevivência.Os países do arco de influência soviética conheciam, pela primeira vez, o verdadeiro drama do desemprego.
A moeda única poderia ter sido uma oportunidade para reverter a situação na União Europeia, mas os lideres europeus apostaram na estratégia de empurrar os problemas com a barriga e admitiram na moeda única países como a Grécia, Portugal e a própria Espanha, em condições que nunca deveriam ter aceite.
A crise americana, a guerra do Iraque e a conflitualidade latente agravaram a situação europeia. Foi então que Alemanha e França pensaram que podiam salvar-se, fazendo dos países do sul as suas criadas de serviço. Para que as grandes economias europeias sobrevivessem pujantes, era necessário sacrificar alguns países europeus. E quem haviam de ser? Os países do sul, obviamente, que nos tempos de prosperidade europeia alimentavam os países mais poderosos com mão de obra barata. Era, por isso, necessário garantir que esses países, a troco da atribuição generosa de fundos comunitários se desenvolvessem, produzissem mão de obra qualificada e barata, que abastecesse as necessidades europeias.Quando esse objectivo fosse atingido, era altura de lhes tirar o tapete. Foi o que aconteceu com a crise de 2007.
Nessa altura, a política da Alemanha aconselhava forte investimento público nos países do sul, para que pudessem sair da crise. Essa política assegurava, numa primeira fase, que a Alemanha vendesse os seus equipamentos aos países do sul e daí retirasse os lucros que garantissem a sua subsistência. Foi assim que venderam matérias primas e equipamento bélico aos países do sul, que não precisavam deles para nada. Foi assim que nos venderam os submarinos e umas maquinetas bélicas imprestáveis, ou convenceram Sócrates a fazer o TGV, para agradar à Siemens.
Como qualquer jogador de Monopólio sabe, chega sempre uma altura em que os jogadores endividados acabam por declarar a banca rota e abandonar o jogo. Com os países do sul, aconteceu precisamente o mesmo, mas a Alemanha – a França também, no período do casal Merkozy- queriam o seu dinheiro de volta e a única forma de o garantirem era recorrendo à agiotagem. Emprestando sempre mais dinheiro a juros cada vez mais elevados, começaram por vergar Grécia e Portugal. Com o conluio do sector financeiro, emprestavam dinheiro que compravam barato, a juros elevados e obrigavam os países em dívida a vender o seu património a grupos económicos criteriosamente selecionados. Até a dívida se tornar insustentável e impossível de pagar.
Não creio que haja alguém na Europa, no FMI, ou no BCE, que acredite ser possível, com estas condições e medidas draconianas, pagar a dívida. Esse não é, porém, o primeiro objectivo dos que pretendem vergar os países do sul. A primeira etapa da sua estratégia é impor um modelo ideológico, fazendo eleger governos de direita ultra conservadora e liberal. Agitar o espantalho do medo, como assistimos nos últimos dias, faz parte da estratégia: ou governos de direita ou o caos (é o que a Alemanha e a troika nos vêm dizendo repetidamente).
Concretizado o domínio ideológico, com a colocação à frente dos governos desses países gente da sua confiança, virá a fase seguinte: a colonização do sul pelos calvinistas. Tarefa facilitada pelo facto de, no governo desses países, terem sido colocados funcionários europeus apátridas, que apenas obedecem ao quem detém o poder do dinheiro.
Gaspar, primeiro, e Maria Luís Albuquerque, agora, são funcionários da Goldmann Sachs, do sr Schaueble e dos grandes interesses financeiros , que têm por missão executar as tarefas necessárias à concretização da estratégia. Passos Coelho é apenas um brinquedo manipulado a partir dos centros de decisão europeus. Como irá ser Portas. Gente que não conta e apenas faz de figurante neste palco onde se desenrola toda esta trama.
Se nos mantivermos na expectativa, diligentes e bem comportados, acreditando que assim conseguiremos pagar a dívida, recuperar a nossa soberania e ser vistos com simpatia pelos nossos credores, estamos a contribuir para que a crise nunca acabe. Está nas nossas mãos construir o futuro, sem medo do papão dos mercados. Não acredito é que tenhamos coragem para isso.