Um caso de estudo para os que defendem o fim dos partidos
As eleições em Itália foram há quase um mês. Depois do bruáa de espanto provocado pela expressiva votação no grupo do palhaço Grillo, a Itália despareceu das primeiras páginas e dos noticiários televisivos, submergida primeiro pelas notícias do Papa e depois pela abstrusa decisão dos ministros das finanças do Eurogrupo em relação a Chipre.
Os correspondentes enviados a Roma pelas televisões ou estão desatentos ao que se passa em Itália, ou não dão qualquer importância ao assunto. No entanto, em Itália há mais vida para além do Papa e os últimos acontecimentos têm sido ricos em matéria política.
Colocado perante o problema de não ter maioria para governar e incapaz de conseguir fazer alianças, Bersani jogou uma cartada forte. Propôs a Grillo que apoiasse o candidato do PD ao Senado e, em troca, apoiaria o candidato do Movimento 5 Estrelas à Câmara de Deputados.
Irredutível, Grillo não acatou a proposta e Bersani jogou os seus trunfos. Para já, com sucesso. Beneficiando da maioria da esquerda na Câmara, abdicou do seu candidato e apresentou o nome de Laura Boldrini, reputada funcionária da ONU eleita como independente nas listas do seu parceiro de coligação ( Esquerda, Ecologia e Socialismo). A eleição foi pacífica, mas despertou a ira de Berlusconni, pois Laura apresentou-se às eleições como defensora das vítimas do berlusconismo.
No Senado as coisas estavam mais complicadas para Bersani, pois a esquerda não tem maioria. Berlusconni apresentou o seu candidato ( Renato Schiaffini), suspeito de ligações à Mafia, com fortes possibilidades de ganhar. Grillo recusou apoiar o candidato do PD e deu ordem aos deputados do 5 Estrelas para votarem em branco, o que abria o caminho para a eleição de Schiaffini como segunda figura do Estado.
Uma vez mais, o líder do PD apostou forte e apresentou um candidato independente ( Pietro Grosso) juiz que se notabilizou pela luta contra a Mafia. Nem o risco de ver eleito Schiaffini demoveu Grillo. No entanto, uma dezena de grillistas não se conformou. Ignorou as orientações de Grillo e votou em Pietro Grosso, provocando a ira do palhaço que, de imediato, exigiu a demissão dos “dissidentes”, fazendo tábua rasa das promessas de independência.
Só que escolher deputados através das redes sociais é muito popularucho, mas tem os seus revezes… a expulsão dos deputados poderia ser o princípio do fim do Movimento Cinco Estrelas e de Beppe Grillo, o que obrigou o comediante a recuar nas suas ameaças.
A tarefa de Bersani para formar um governo minoritário, continua a ser ciclópica, mas a estratégia de explorar as fragilidades de um partido criado sem bases ideológicas nem programáticas poder-lhe-á trazer dividendos no futuro e contribuir para arrefecer os ânimos daqueles que pensam que a democracia pode viver à margem dos partidos.
No entanto, há um dado positivo que se deve extrair do que está a acontecer em Itália. O aparecimento do Movimento 5 Estrelas obrigou Bersani a regenerar o seu partido, recorrendo a figuras independentes, alheias à lógica aparelhistica. Jogada de risco que talvez não seja bem aceite por aqueles que vivem e medram à sombra dos aparelhos partidários.
Resumindo: o momento actual em Itália talvez venha a revelar-se como o embrião de uma acção regeneradora da democracia e da lógica actual dos partidos, assente na obediência cega aos aparelhos. Algo que deveria fazer reflectir os partidos portugueses e os autores do
Manifesto pela Democratização do Regime ( link)