Janto com Laura (argentina) e Marcella (chilena) num restaurante modesto, mas com vista soberba sobre a baía de Guanabara.
Recordámos um jantar no mesmo restaurante, durante a Cimeira da Terra em 1992. Nesse ano longínquo
todos ainda lambíamos feridas das ditaduras, eu era visto como o cidadão do país rico e Laura a representante de um país em crescimento, mas que se suspeitava estar já ameaçado de
default, porque a paridade peso/dólar era um artifício que, mais dia menos dia, iria estourar .
O Chile tinha acabado de se livrar de Pinochet dois anos antes, o futuro era ainda incerto mas Marcella, apesar da profunda crise económica, manifestava confiança no futuro e estava entusiasmadíssima com o concerto que os Gun’Roses iam dar em Santiago em Dezembro, no tristemente célebre Estádio Nacional. (Marcella não podia prever as cenas de violência que iriam marcar a chegada da banda ao aeroporto).
Passaram 20 anos e agora sou o representante de um país pobre situado no cú da Europa, Laura começa a perder o entusiasmo com Cristina Kirchner e a temer que a recessão volte à Argentina, depois de anos de crescimento vertiginoso e Marcella está receosa com as políticas liberais de Piñera que têm posto Santiago a ferro e fogo.
Nenhum de nós estava, no entanto, muito interessado em falar sobre os males que afectam os nossos países e, por isso, a conversa desviou-se para o outro lado do mundo e a Primavera Árabe.
Estamos todos de acordo: o regabofe noticioso orquestrado por Obama e os seus amigos europeus continua a esconder o que se está a passar naqueles países. No Egipto os militares apoderaram-se novamente do poder, depois de o candidato da Irmandade Muçulmana ter vencido as eleições; na Tunísia a revolução de Jasmim está cheia de espinhos; a violência tribal na Líbia é silenciada pela comunicação social do ocidente. Ninguém quer dar o braço a torcer e fazer mea culpa, mas não tardarão a levantar-se vozes oficiais reconhecendo que as democracias ocidentais não são exportáveis para aquelas paragens, como também não o serão para a China nem para a maioria dos países asiáticos.
O Iraque parece pertencer a um passado longínquo, o Afeganistão assunto quase encerrado, a Síria um problema de difícil resolução, porque EUA e Rússia esperam ganhar ainda muito dinheiro com o armamento que vendem a cada uma das partes. Se não fosse a crise, talvez os americanos já tivessem enviado tropas para Damasco e até se abalançassem a apoiar abertamente Israel num ataque ao Irão. Mas como quem não tem dinheiro não tem vícios, os EUA esperam que Israel seja competente e ataque o Irão na hora certa, enquanto os cofres da Reserva Federal se enchem com a venda de armamento, numa concorrência desenfreada com o Bundesbank, para onde escorre o dinheiro dos submarinos e outro material de guerra que a senhora Merkel impingiu a Portas, Samaras e outros aliados de que agora se pretende desfazer, porque lhe estão a empatar o negócio.
Bem vistas as coisas, chegamos à conclusão que mudaram os protagonistas, criaram-se novos cenários, mas a transformação fundamental nestas duas décadas em que nos prometeram que a globalização traria amanhãs que cantam, foi o aparecimento dos países emergentes e uma maior desigualdade na distribuição da riqueza. O resto são peanuts.
Feito o balanço pedimos mais uma caipirinha, falamos de coisa mais agradáveis e fomos curtir a noite com outros amigos sul-americanos a quem nos juntamos na Cafetaria Colombo, em volta de um pastel de nata e um cafezinho.
Sobre a curtição é que não escrevo nem uma palavra…