( Continuado daqui)
As verdadeiras razões da escolha de Manuel Barbeiro,sabia-as Manuel Serôdio. Ouviu o discurso laudatório do presidente da Junta com um permanente sorriso de gozo a transbordar-lhe dos lábios e culminou com um cínico mas vibrante “Muito bem! Apoiado!”
O presidente da junta olhou-o de soslaio. Não gostou que Manuel Serôdio lhe demonstrasse daquela forma saber as razões da escolha do Barbeiro para integrar a direcção da Casa do Povo.
Quando a assembleia geral terminou, Manuel Serôdio dirigiu-se-lhe em recato e perguntou:
- Diga-me lá uma coisa, senhor presidente. O Manel é barbeiro para melhor desempenhar a sua função, ou foi a sua profissão que levou a António Maria Cardoso a escolhê-lo para desempenhar a função?
-
Nem pio! Se a notícia se espalhar tens de te haver comigo.
- A minha boca é um túmulo, esteja descansado. Aliás, já nem há PIDE, porque o senhor presidente do conselho rebaptizou-a DGS...
Informados os leitores sobre os predicados de cada um dos membros da direcção da Casa do Povo de Ferreira do Zêzere, voltemos à sala da instituição onde acaba de dar entrada o padre Roberto. Intrigado ao ver três pares de olhos fixados numa página de jornal, em vez de um trio de línguas viperinas a tagarelar sobre os boatos da terra, perguntou:
-
Que é que o Expresso traz de tão importante, para vocês estarem todos à volta dele?
- Foi preso o Padre Mário da Lixa, senhor Padre Roberto!
- Eu bem o tinha avisado para ter cuidado com o que diz nas homilias, mas ele nunca me deu ouvidos… agora lá vai o senhor bispo do Porto ter de interceder por ele! Bem, mas vamos então ao que interessa, não é verdade, senhor presidente?
- É para isso que aqui estamos. Alguém tem nomes para sugerir?
Todos ficaram em silêncio excepto o padre Roberto
- Se o senhor presidente, nem nenhum dos presentes, avançar com um nome, eu atrevo-me a fazer uma sugestão
- Diga lá então, senhor padre
- Eu sugeria a D. Esmeralda. Eu sei que ela não tem nenhuns predicados especiais para integrar a direcção da Casa do Povo, mas é uma boa mulher, muito dedicada à Igreja e podia ajudar-me a coordenar as tarefas dos fiéis. O que é que os senhores acham?
Ninguém se opôs, mas ao padre Roberto não escapou o sorriso sarcástico do Manuel Barbeiro.
Não tendo sido sugerido outro nome, ficou lavrado em acta que no dia seguinte o presidente da junta e o padre Roberto se deslocariam a casa de Esmeralda para a convidar a substituir, na direcção da Casa do Povo, a falecida D. Isaura.
Não havendo mais nada a tratar, o presidente deu a sessão por encerrada e, apagadas as luzes, cada um seguiu para suas casas.
Cada um, não… Manuel Serôdio seguiu à distância os passos do padre, ciente de que se aprestava para dar a notícia a Esmeralda em primeira mão.
Quando viu o padre entrar na Igreja sentiu-se decepcionado mas, pelo sim pelo não, deixou-se ficar, em lugar recatado, na expectativa de o ver sair novamente dali a uns minutos. Ao fim de meia hora regressou a casa. Desiludido pela sua falta de faro.
O padre viu-o afastar-se e, assim que Manuel Barbeiro dobrou a esquina da rua, saiu da Igreja em passo apressado em direcção a casa de Esmeralda.
No silêncio da noite, ouviu-se o latido de um cão. Um galo noctívago respondeu com um prolongado Cócórócóooo!
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