Durante o Estado Novo, Salazar lançou este mote e os portugueses aderiram. Portugal chegou a estar entre os países do mundo com mais consumo de vinho per capita...
As gerações mais jovens foram substituindo o vinho pela cerveja, por sumos e- oh infâmia!- pela sensaborona água ( simples ou com aromas, essa supercriação da sociedade da hiperescolha). À noite, muitos optam pelos shots, cujas vantagens sobre o vinho são inegáveis, graças à rapidez e eficácia com que toldam o cérebro e aceleram a bebedeira- única razão que motiva alguns jovens a sair de casa depois do sol posto, como pude ouvir de viva voz de alguns praticantes da shotmania.
Os velhos também bebem menos vinho, já que as suas bolsas rarefeitas estão cada vez menos aptas a marcar penalties aos balcões das tascas, agora repletos de garrafas de "mines", para gáudio de Pires de Lima.
Há no entanto quem não se conforme com este desprezo pelo vinho e, dando resposta ao desafio do ministro Álvaro, empreendeu o lançamento de uma marca susceptível de cativar o interesse dos seniores.
Em Portugal- se o preço for acessível- espero que sejam mais os velhos a comprar garrafas daquele vinho para as partirem ao balcão, ou na campa do ditador, do que aqueles que venham a saborear o precioso néctar. Não creio que colha também grande simpatia entre os jovens, já que não apreciam muito marcas portuguesas e ainda menos História. O mais provável, aliás, é ligarem o vínico Salazar a um ex-namorado, amigo, ou familiar da Ana das modas estilísticas, do que ao ditador de Santa Comba.
Se o vinho não for muito caro, até eu estarei disposto a comprar meia dúzia de garrafas que, gostosamente, arremessarei contra a parede da autarquia salazarenta em sinal de protesto
Apesar de o vinho "Memórias de Salazar" poder vir a satisfazer apenas os gostos de um nicho de mercado em Portugal, a marca tem bastantes hipóteses de se impôr lá fora.
A curtíssimo prazo, poderá colher a simpatia de Sarkozy. Entusiasmado com as sondagens que o colocam à frente nas presidenciais francesas, depois de ter iniciado um discurso populista de extrema-direita, o minorca francês é homem bem capaz de promover a marca Salazar a vinho oficial da campanha, desde que o autarca de Santa Comba esteja disposto a oferecer-lhe umas garrafas promocionais. Se Sarkozy voltar a ser eleito para o Eliseu, o "Memórias de Salazar" terá sucesso assegurado noutros países europeus e poderá tornar-se mesmo uma marca franchisada, adoptando os nomes de "Memórias de Mussolini" em Itália e "Memórias de Hitler" na Alemanha.
Não será fácil que a marca se imponha no Chile, já que o vinho "Memórias de Pinochet" parece ser uma marca com bastante prestígio junto do actual ocupante do palácio de La Moneda. Na Argentina e no Brasil- apesar dos inúmeros saudosistas das ditaduras que por lá vivem- a sua entrada não será fácil,pois os governos de Cristina e Dilma não estão dispostos a permitir o reavivar de memórias de tempos tenebrosos. No entanto, quer na América Latina, quer em África ou no Extremo Oriente, não faltam mercados a explorar, sendo mesmo expectável que o empreendedor autarca santacombadense, inebriado pelo sucesso da sua iniciativa, alargue a marca a outros produto, como o néctar de laranja, já que o espírito de Salazar está bem vivo na cáfila pê-esse- dê que aposta na miséria para nos salvar das garras da democracia.
Salazar poderá não ter ressuscitado em 2011, mas o seu espírito continua entre nós. Aprisionado. Não numa lâmpada, porque lhe falta o génio, mas numa garrafa, que é o recipiente ideal para o ditador aguardar a chegada de um Aladino em que possa reencarnar.