Sobre as origens do Dia Internacional da Mulher já escrevi
aqui, aqui e aqui. Também já lembrei às mulheres mais jovens,
aqui e aqui, que até ao 25 de Abril a maioria das mulheres portuguesas era"propriedade do macho".
Este ano, optei por recordar a forma como evoluíram as condições do trabalho das mulheres, ao longo dos últimos 120 anos.
Em 1891, ano da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, o Rei D. Carlos faz publicar um Decreto onde é regulamentado o trabalho de menores e mulheres nos estabelecimentos industriais.
A legislação de 1891 manteve-se inalterada até 1911, ano em que Portugal adopta a convenção internacional sobre proibição de trabalho nocturno das mulheres empregadas na indústria.
Em 1915, a Lei nº 297 de 22 de Janeiro regulamenta o trabalho de mulheres e menores. Em relação às primeiras, proíbe-se o trabalho nas quatro semanas seguintes ao parto, mas sem direito a remuneração. A Lei concedia no entanto à mãe o direito a ausentar-se do trabalho após as quatro semanas, para amamentar o filho, estabelecendo para o efeito determinadas regras.
Em 1927, o decreto 14498 estabelece que o período pós parto das mulheres – que se mantém nas quatro semanas- seja remunerado.
Trata-se de um avanço significativo na forma de encarar o trabalho feminino, mas a consagração legislativa de uma protecção ao trabalho das mulheres não encontra eco na sociedade portuguesa que ora vê a mulher como mão de obra barata concorrente do trabalho masculino e ameaça os seus postos de trabalho, quer assume convictamente que o lugar da mulher é no lar e não na fábrica.
Durante o Estado Novo, regista-se uma regressão dos seus direitos e uma determinante intenção de as afastar do mercado de trabalho. Salazar queria-as em casa e não a trabalhar em concorrência com os homens, chegando mesmo a afirmar que “ o recurso à mão de obra feminina representa um crime” ou que “ quando a mulher casada concorre com um homem por um posto de trabalho, a instituição da família ameaça ruína”.
Nos anos 40, as suas profissões variavam entre o trabalho rural, a enfermagem, o professorado (a esmagadora maioria no ensino primário) e o operariado, especialmente a indústria têxtil. O exército de criadas de servir era, porém, numeroso: cerca de 200 mil. Vinte anos depois, o panorama não apresentava grandes diferenças, a não ser quanto ao escalão etário das criadas, já que crianças de 13 e 14 anos engrossaram o exército das empregadas domésticas, cuja contratação, porém, continuava a depender de "rigorosas informações". Quanto a direitos, eram simplesmente inexistentes e podiam ser despedidas a qualquer momento, sem direito a qualquer retribuição.
Apesar de tudo, nos anos 50, aumentou significativamente o número de mulheres no mercado de trabalho. Em alguns sectores, como os têxteis, o vestuário e o tabaco, havia mais mulheres do que homens a trabalhar, o mesmo acontecendo nos sectores onde o trabalho era precário e não especializado.
O acesso a determinadas profissões estava-lhe mesmo vedado, como era o caso da magistratura e da diplomacia. Também não podiam montar um negócio ou encetar uma vida profissional sem autorização do marido, situação que se manteria até ao final dos anos sessenta, com a aprovação do Código Civil. Podiam no entanto ser enfermeiras, embora estivessem impedidas de casar e, quanto às professoras, só podiam casar com autorização do ministro, sendo o candidato a cônjuge obrigado a demonstrar “bom comportamento civil e meios de subsistência consentâneos com o vencimento de uma professora.” Dito por outras palavras, só podiam casar com um homem que tivesse um salário superior ao dela.
Nos anos 60, a guerra em África vai permitir que muitas mulheres entrem no mercado de trabalho, substituindo os “mancebos” que partiam em “defesa da Pátria”. Isso não significa, porém, um aumento de regalias.
É já após o 25 de Abril, que a Constituição de 1976 reconhece o seu direito ao trabalho, corolário lógico de uma tendência que emergira na sociedade portuguesa na década anterior. Em 1978, com a revisão do Código Civil, a mulher deixa de ter estatuto de dependência para ter estatuto de igualdade com o homem.
O alargamento do prazo de licença de maternidade a todas as trabalhadoras, a criação de condições especiais de segurança e saúde nos locais de trabalho para trabalhadoras grávidas e lactantes, licenças para acompanhamento de filhos menores e filhos deficientes e com doenças crónicas, são algumas medidas que visam criar melhores condições de trabalho para as mulheres. Não obstante, nas décadas seguintes, muitas empresas continuaram a recusar emprego a mulheres, ou a condicionar a sua admissão ao compromisso de não casarem ou não terem filhos.
Foi principalmente na Administração Pública que o ingresso das mulheres no mercado de trabalho se fez sentir, sendo hoje- de acordo com o último recenseamento - em maior número (61,1%) do que os homens na Administração Central e, em muitos organismos, são mulheres que maioritariamente ocupam os lugares de chefia. No entanto, a remuneração média das mulheres continua a ser inferior à dos homens, independentemente das qualificações académicas serem iguais.