
Não conheci a minha avó materna, mas muitas vezes dei por mim a interrogar-me como seria aquela senhora, que relação teríamos estabelecido se nos tivessemos encontrado em vida, enquanto olhava para um quadro que havia lá em casa.
Naquela pintura era bem perceptível o seu olhar autoritário e firme, herdado pela minha mãe, mas o autor do quadro enfatizou um certo distanciamento naquele olhar, como se quisesse realçar algo de sobrenatural que encaixava numa alma sem corpo.
Até chegar a adulto, nunca soube muitas coisas dessa minha avó. Por um lado, porque sentia algum medo daquela imagem pendurada na parede de uma sala lá de casa, que parecia estar constantemente a reprovar os meus actos e pronta a denunciar à minha Mãe qualquer traquinice que considerasse reprovável . Por outro lado, quando nasci, já o meu avô ia na terceira mulher ( ainda haveria de ter mais duas) e pouco se falava lá em casa da avó Maria que morrera em 1947, com a então provecta idade de 54 anos! No entanto, lembro-me dela com frequência, pois desde miúdo que a minha Mãe evoca uma frase por ela muitas vezes repetida:
“ Há-de ser a máquina a destruir o Homem”Essa frase sempre me fez confusão. Lembrava-me bruxarias, duendes e feitiços. Por que razão haveria a máquina de destruir o homem?
Ontem, quando regressava de uma viagem relâmpago à Beira Alta, voltei a lembrar-me da minha avó enquanto lia o
Courier Internacional, desconfortavelmente sentado no comboio. O tema de capa deste mês é
“Vêm aí os robôs” e logo me lembrei
deste post que escrevi aqui há dias.Ao longo de 20 páginas do CI, diversos artigos abordam a crescente importância da robótica nos diversos sectores de actividade, começando pela sua utilização na guerra. Em breve, é possível que as guerras sejam feitas por robôs, evitando ( ou pelo menos diminuindo drasticamente) o número de mortos em conflitos bélicos. Aliás, já há aviões não tripulados , como os Drone ou os Predator, que cumprem missões de espionagem e podem fazer ataques no Paquistão, por exemplo, comandados a partir de bases nos Estados Unidos. E há equipamentos robotizados capazes de orientar soldados, evitando o confronto com o inimigo.
Esta ideia de uma “guerra sem homens” é à primeira vista agradável, mas o CI logo se encarrega de nos esclarecer sobre o outro lado da guerra sem homens, a cuja descrição vos poupo. Foi ao ler um artigo da revista francesa digital “Slate”, com o título “ E se as máquinas se virarem contra nós?” que as palavras da minha avó que nunca conheci, mas parecia viajar no comboio a meu lado e dizer “ Vês? Eu bem tinha avisado…” começaram a fazer mais sentido.
Nesse artigo, dão-se vários exemplos de robôs que são utilizados para lutar contra a criminalidade, detectar fogos florestais, vigiar fronteiras , encontrar sobreviventes de catástrofes naturais, mas também se fala dos problemas legais resultantes da sua utilização e de algumas destas armas que caíram em mãos erradas.
Fiquei a saber, por exemplo, que em Taiwan um grupo de ladrões já utilizou estes robôs para assaltar apartamentos e que no Arizona o dono de um bar construiu um robô “anti vagabundos” que afugenta os sem abrigo do parque de estacionamento circundante. Também fiquei a saber que os robôs guerreiros nem sempre são manejados por militares, mas sim por civis, como agentes da CIA, o que me deixou bastante preocupado.
Finalmente, a ideia de que as novas tecnologias seriam o maior gerador de empregos é desmistificada pela realidade. Até profissões altamente qualificadas, como juristas e médicos, estão ameaçadas. “No início do ano, The New York Times fez a cobertura de um caso judicial complexo, onde um programa de computador conseguiu analisar 1 milhão e meio de páginas de documentos em menos tempo e por menos dinheiro, do que uma equipa de advogados”- leio num artigo do “The Guardian”. Começam então a emergir os problemas relacionados com o desemprego.
Como salienta o Nobel Paul Krugman, “ o emprego nos escalões muito altos e muito baixos progrediu, enquanto o emprego que sustenta uma classe média sólida ficou para trás”.
Olho pela janela e vejo a minha avó, voando montada numa vassoura electrónica, a piscar-me o olho e a dizer “ Estás a ver, como eu tinha razão?”
Faço uma pausa na leitura e acompanho os seus movimentos, enquanto reflicto sobre o modelo social que estamos a construir.
Em 1950 a Terra albergava 2,5 mil milhões de pessoas. Em 60 anos a população quase triplicou. A ciência teve uma evolução fantástica em todas as áreas, aumentou a esperança de vida, diminuiu a mortalidade infantil, melhorou a organização do trabalho. No entanto, neste ano da graça de 2011, com o desemprego galopante, ainda há quem dirija um país, acreditando que o crescimento económico se faz aumentando o horário de trabalho, em vez de o diminuir!
Há aqui qualquer coisa que não bate certo… A sociedade ( global e não só a portuguesa) em termos humanos está a evoluir em sentido inverso ao progresso científico e tecnológico, o que prenuncia algo de assustador. Como poderá sobreviver uma sociedade de tecnologias do século XXI , onde se aplicam as regras laborais do século XIX?
Olho outra vez pela janela, na expectativa de encontrar a resposta nos lábios da minha avó. Ela já lá não está. Volto a mergulhar na leitura. O artigo final do tema de capa do CI é também repescado da revista digital Slate e intitula-se: Robô altamente qualificado oferece-se. Médico, advogado, investigador ou farmacêutico.
Ora bolas! Não se arranjam por aí uns robôs economistas?
Talvez fossem capazes de ensinar aos governantes, que uma forma de diminuir o desemprego era reduzir o horário de trabalho, em vez de o aumentar. As pessoas ganhariam menos, mas também trabalhariam menos, não se discutiria o valor das horas extraordinárias, porque seriam proibidas e as pessoas ficavam com mais tempo para actividades de lazer, fazer voluntariado e aceder à cultura.
O grande problema é que ficando as pessoas com mais tempo livre, teriam mais tempo para se instruirem e para pensar, talvez se tornassem mais solidárias e isso seria certamente um perigo para a classe política que actualmente governa o mundo. Deve ser por isso que não há economistas robôs...