
O Fado apresentou a sua candidatura a Património Imaterial da Humanidade. Não tenho visto grande entusiasmo por aí e a publicidade tem-se reduzido praticamente a entrevistas de Carlos do Carmo nas rádios e televisões.
Lembrei-me, a propósito deste quase silêncio em torno da candidatura, do que se passou na Argentina quando, em tempos da crise do “Corralito”, o tango voltou a ser assumido pelos argentinos como património nacional. Quando foi apresentada a candidatura do tango a Património Imaterial da Humanidade, o tango renasceu por toda a Argentina, desde Ushuaia a La Quiaca. Em Buenos Aires, de San Telmo a Puerto Madero, de Palermo a La Recoleta, não havia restaurante, café ou boteco, que não anunciasse noites tangueras onde o tango era cantado, dançado e sentido com a vibração de outros tempos. Os teatros também aderiram, levando à cena espectáculos evocativos da História do tango.
Por cá tem sido bem diferente, apesar de os tempos também serem de crise. Talvez porque o Fado não tenha a mesma expressão nacional do tango e ser ainda considerado um produto de Lisboa, com características regionais. Mesmo a nível internacional o Fado não se impôs como o tango.
Chegado à Europa em 1911, deixou os franceses de imediato em êxtase. Enquanto os moralistas defendiam a sua proibição, o Papa considerava o tango uma dança imoral e o próprio Kaiser proibia os oficiais de o dançarem, os estilistas europeus concebiam as suas colecções de moda com características associadas à dança maldita. O tango impôs-se como movimento transgressor, animando os salões de sociedades recreativas e os bailes de alguma alta sociedade francesas.
O Fado tem alguns pontos em comum com o Tango, no concernente às origens, mas daí em diante é mais o que os separa do que os une. Enquanto o tango foi silenciado pela ditadura argentina, o fado foi utilizado pelo Estado Novo como instrumento de propaganda. Por outro lado, enquanto o tango tem uma história ligada à rebeldia, o fado está mais conotado com uma atitude conformista. Lá por fora é apenas ouvido como um género musical muito ligado à forma de ser e sentir dos portugueses.
É muito provável que o fado – apesar da indiferença da secretaria de estado da cultura- venha a ser (merecidamente) declarado Património Imaterial da Humanidade, mas fica por saber até que ponto saberemos aproveitar essa distinção.