Como vos contei no domingo, assisti em directo ao eclodir da onda de violência em Tottenham. Deitei-me já ao alvorecer, esmagado pela surpresa, mas acreditando quese tratara de actos isolados e circunscritos àquela zona norte de Londres. Nunca me passou pela cabeça que a violência alastrasse de forma aparentemente incontrolável a outras zonas da cidade.
Muitos leitores sabem o que Londres significa para mim. Foi a primeira cidade estrangeira onde vivi, ponto de partida para a minha vida de andarilho. Nessa época era a capital do mundo, referência para qualquer jovem da minha idade, especialmente para os portugueses agrilhoados por uma ditadura abstrusa e que viam em Londres o paradigma da Liberdade.Compreenderão, por isso, que tenha passado as últimas noites grudado à Sky News e à BBC a assistir ao espectáculo que transformou Londres num cenário de guerra.
Enquanto vejo as imagens, faço uma viagem através do tempo e inevitavelmente paro na Londres da senhora Thatcher, quando o encanto se começou a esvanecer e deu lugar à decepção. O criminoso Blair da Terceira Via tem também boa quota parte de responsabilidades no desencanto que fui acumulando mas, ao ver as imagens de Londres saqueada e em chamas, não pude impedir que o olhar se toldasse perante o cenário dantesco e as memórias adormecidas de Londres ganhassem vida no meu cérebro.
Tenho, ao longo dos últimos dias, rebobinado as cenas felizes e tristes que vivi em Londres nos anos 70 e não resisto a fazer comparações .A verdade, é que há muito se percebia que Londres era um barril de pólvora que de um momento poderia explodir. Como aconteceu em Paris, embora com muito menos gravidade.
Não é difícil encontrar culpados. Têm nome e foram sucessivamente eleitos democraticamente: Thatcher, Blair e Cameron. O actual primeiro-ministro inglês, lídimo representante em terras de Sua Majestade, da direita liberal que aniquilou as esperanças de uma Europa mais solidária e mais justa, é apenas o responsável directo pelo eclodir da violência. Insensível, irresponsável, incompetente e aldrabão como o nosso Passo Coelho, criou com as suas medidas de contenção, que apenas afectam os mais desfavorecidos, as condições ideais para a revolta.Foi ele a fonte de ignição, ao acender o rastilho há muito ateado pelo aumento do desemprego, o desinvestimento na educação pública e na saúde.
Custa é acreditar que o líder de uma das maiores potências mundiais tenha continuado a gozar tranquilamente as suas férias em Itália e pedisse ao seu Paulo Portas que apaziguasse a situação.Ao terceiro dia, com a situação incontrolável, lá se dispôs a regressar a casa e ao trabalho. Certamente contrariado e sequioso de vingança sobre os putos, vândalos energúmenos que lhe perturbaram as merecidas férias.
Este post foi escrito com alguma mágoa e revolta. Bem diferente, do estado de espírito com que escrevi sobre uma das minhas últimas idas a Londres, em
“Cidades da Minha Vida”.