Para uns é um fanático extremista. Para outros é um louco. Esta versão simplista da loucura, expressa nas palavras de Nuno Rogeiro de forma conclusiva e sem direito a contraditório é a que mais agrada à direita. Quando um dos seus invoca convicções políticas para cometer um crime é sempre apelidado de louco. No caso de ser muçulmano, ou de esquerda, é apelidado de terrorista e apontado pela direita como exemplo generalizado dos comportamentos anti-democráticos da esquerda e do islamismo. Lembre-se apenas Bin Laden. Aos olhos do mundo sempre foi visto como um terrorista, islâmico fundamentalista, mas perigosamente inteligente. Matou milhares e foi assassinado a sangue frio, sem direito a julgamento.
Este norueguês que se auto proclama cristão fundamentalista é, na opinião do mesmo Nuno Rogeiro, apenas um louco. Epíteto que o próprio rejeita e o seu “testamento politico” comprova ser displicente.
A análise de Rogeiro é típica dos comentadores a soldo que enxameiam a comunicação social. À esquerda estão os extremistas intolerantes , à direita os civilizados que, no seu seio, albergam um ou outro louco capaz de cometer alguns dislates. Não se deve, por isso, sobrevalorizar “este acto de loucura”, conotando-o com o comportamento da extrema-direita, mas sim considerá-lo apenas como um “acto episódico”.
Bastará ler alguns excertos do “manifesto de Anders Breivik” para deitar por terra os argumentos de Nuno Rogeiro e perceber que o raciocínio deste norueguês, alto e loiro” não é de um louco. Como não é também, um mero capricho, o facto de pretender que a sua audição seja pública e declarar a sua vontade de comparecer fardado.
Um louco não tem o comportamento calmo e determinado de Breivik. Dispara à toa e, no final, suicida-se.
Desvalorizar a tragédia da Noruega é continuar a alimentar o monstro a que o mundo ocidental tem dado pouca importância, permitindo que cresça e alargue os seus tentáculos de forma a conquistar adeptos.
A crise económica e financeira despoletada pelo capitalismo e alimentado pelas políticas ultra-liberais é um pasto excelente para fazer germinar ideologias xenófobas. Milhões de desempregados, com pouca instrução e sem acesso a outras fontes de informação que não sejam os telejornais diários, ouvidos entre duas colheres de sopa e um comentário sobre o jogo de futebol da véspera, ou uma cena de telenovela que virá a seguir, são ovelhas acéfalas dispostas a aderir ao rebanho da intolerância que laboriosamente a extrema-direita vem apascentado nas duas ou três últimas décadas, perante a passividade dos líderes ocidentais. Quantos milhões de desempregados não aderirão com simpatia à teoria de que o Islão e os emigrantes são a causa do seu desemprego e de todos os males que assolam a Europa?Sempre é mais fácil acreditar nesses “inimigos” do que nos destemperos da voragem capitalista ou no ultra-liberalismo que os sufoca até à morte.
Um velho, doente de Alzheimer, culpa sempre o filho que por ele zela com mais desvelo de o querer roubar, enquanto apaparica outro que efectivamente vai desviando umas pratas lá de casa.
De igual modo, a velha e relha Europa sempre tem sido mais tolerante com a xenofobia e a extrema-direita, do que com o islamismo ou a esquerda mais radical.
Nos Estados Unidos, o partido republicano é um bom exemplo dos resultados a que nos pode conduzir a tolerância com a extrema direita. Num momento de crise gravíssima, quando as circunstâncias exigem um acordo com os democratas, para evitar males maiores, os republicanos estão reféns do Tea Party, a quem toleraram todas as exigências, com o fito de os poderem ajudara a regressar ao poder em 2013.
A tragédia de Oslo não pode ser menosprezada, nem vista como um acto isolado de um louco. Ocorreu num dos países mais pacíficos e mais seguros do mundo e, à memória, veio-me logo a estupefacção da Europa quando Olof Palme foi assassinado em 1986. Nessa época a Suécia vivia um período esplendoroso, mas nunca mais voltou a ser a mesma. Creio que o mesmo irá acontecer na Noruega. Este acto criminoso deixou o país envolto numa onda de estupefacção, que não se apagará tão depressa. Os noruegueses pensarão que,mesmo sendo condenado à pena máxima permitida por lei na Noruega ( 21 anos de prisão) Beivik nunca será punido e, aos 53 anos, estará ainda em boa idade para continuar a difundir a sua ideologia xenófoba e até vir a ser considerado como um mártir.
Era bom que pensássemos neste assunto com menos leviandade e que os líderes europeus percebessem, de uma vez por todas, que desvalorizar estes “actos isolados” só servirá para acelerar o fim da Europa.
Este tema dá pano para mangas e, enquanto pasmo com o silêncio dos blogs de direita (como seriam diferentes as reacções se o atentado tivesse sido cometido pela Al Qaeda!) lamento não ter tempo ( paciência, vá lá...) para o aprofundar de forma mais consistente. Talvez mais tarde volte ao assunto.
*O quadro de Munch seria uma bela imagem para ilustrar este post, pois retrata a angústia e o desespero dos noruegueses depois da tragédia. Mas preferi não misturar uma obra de arte com a obra de um selvagem