
Agora, que passaram 48 horas sobre as declarações de Ana Gomes à Antena 1, vou explicar-vos porque vos recomendei a audição. É que sabia que quem fez um julgamento sumário de Sócrates em praça pública, mesmo sem provas que o incriminassem, iria sair em defesa de Portas e acusar Ana Gomes de "boateira". Errei por defeito. O argumentário utilizado é exactamente o mesmo de quem defendia Sócrates, mas os vernáculos indecorosos com que mimosearam Ana Gomes é ainda mais variado do que aquele a que recorreram para atacar Sócrates.
Não me parece que o palco escolhido pela deputada europeia para lançar as acusações sobre Portas tenha sido o ideal. Não me parece, igualmente, que tenha sido o momento exacto para o fazer. Não me parece, enfim, que as devesse ter feito. As suas declarações só serviram para acalentar a ideia de que o PS responderá, nos mesmos termos, à política de ódio e de vingança que a campanha de PSD e CDS elevou ao extremo. No entanto, ao contrário do que alguns dizem, Ana Gomes não falou de cor. Ela referiu vários exemplos, como o afastamento de duas procuradoras para que um processo não fosse investigado.
De uma coisa tenho a certeza. Quando Ana Gomes acusou o governo PS de ter dado autorização de escala a aviões transportando prisioneiros de e para Guantánamo, toda a gente a acusou de irresponsável e caluniadora. A verdade, porém, é que a sequência dos factos viria a provar-se que ela tinha razão e... provas! Talvez não tão fortes como aquelas que sustentam a afirmação de que todos os jornalistas sabem onde funcionava ( e quem manipulava) a central de contra-informação cujo único objectivo era aniquilar Sócrates e o Partido Socialista. Hoje é conhecido o triunvirato que fabricou o boato sobre a homossexualidade de Sócrates, bem como o caso "Freeport". Já quanto à "rede", pessoalmente, não sei, mas admito que haja quem saiba.
Também todos sabemos que o ex-jornalista Paulo Portas, enquanto director do Independente, fabricou uma série de notícias que punham em xeque Cavaco e alguns membros do seu governo. Ironia do destino... Portas prepara-se para ser empossado como vice- primeiro ministro pelo Presidente cuja imagem semanalmente procurou descredibilizar nas capas do "Independente". Os portugueses chamavam àquilo "jornalismo de investigação" e todas as semanas corriam pressurosos para as bancas para comprar o boato em manchete de primeira página. Agora aguentem!
Não acreditem, porém, que Cavaco esqueceu as punhaladas de Portas. Aliás, já disso deu provas com o artigo sobre a má moeda, que precipitou a queda do governo PSD/CDS, depois da fuga de Durão Barroso para Bruxelas. Atingiu directamente Santana Lopes, mas o seu alvo primeiro era Portas. Não tardaremos muito a saber a surpresa que Cavaco tem reservada para ajustar contas com o líder do CDS/PP. Resta saber se Passo Coelho apanhará com os estilhaços... e se Cavaco não terá agradecido pessoalmente a Ana Gomes as declarações que fez à Antena 1.