
Não consigo compreender a estratégia da esquerda portuguesa perante a crise e isso preocupa-me, porque me sinto um náufrago nas ondas encapeladas de uma democracia a fingir.
Depois de ter chumbado o PEC, invocando argumentos plausíveis, esperava que a esquerda me apresentasse uma alternativa credível, que me levasse a confiar-lhe o meu voto mas, em vez disso, senti-me traído com a recusa do BE e do PCP em dialogarem com o FMI.
As razões invocadas não são atendíveis. O mínimo que eu esperava, era que ambos os partidos fossem porta vozes dos eleitores que, como eu, votaram à esquerda, e transmitissem a sua indignação pelas medidas que o triunvirato de agiotas pretende impor aos trabalhadores portugueses. Ao recusarem o diálogo traíram a confiança que neles depositara, mas ainda me restava a esperança de uma saída airosa.
As últimas declarações de Louçã e Jerónimo de Sousa deixaram-me, no entanto, descoroçoado. Nem sequer põem a hipótese de o reforço da votação na esquerda ser utilizado para obrigar o PS a rever a sua política, porque recusam liminarmente um entendimento com o partido de Sócrates.
Ontem, Louçã dizia que votar no PS ou no PSD é a mesma coisa. Não é! Esta mania de meter no mesmo saco todos os partidos que se movem à sua direita é irresponsável. Apesar de tudo ( e Louçã sabe-o muito bem) votar no PS impedirá a concretização do modelo ultra-liberal e a destruição completa do Estado Social, objectivos almejados pelo PSD e CDS.
Tenho reflectido muito, nas últimas semanas, sobre o projecto da esquerda para Portugal. Sinceramente, ainda não consegui perceber qual é. Se recusam participar numa solução à esquerda, pedindo aos eleitores portugueses que lhes dêem força para obrigar o PS a negociar com eles; se os seus argumentos se limitam a criticar a política de direita; se abdicam da possibilidade de integrar um governo; se desistem de ir à luta… qual a razão para lhes dar novamente o meu voto? O grande ( e talvez único) desafio que se coloca aos portugueses, nas eleições de 5 de Junho, é evitar que uma coligação PSD/CDS assuma as rédeas do poder. Se isso acontecer, a esquerda não deixará de ser responsabilizada por ter contribuído para a vitória da direita.
Não sei se é culpa desta Primavera estival, mas sinto à minha volta um ambiente depressivo onde não há lugar à esperança. Que não haja espaço para a Utopia, ainda compreendo. Agora que seja a esquerda, com as suas atitudes erráticas, a roubar-me a esperança, é que me custa aceitar. Não vivemos um período propício à demagogia, nem ao voto de protesto. É fácil criticar, mas de nada valem as críticas, quando não se apresentam alternativas.
Temos de ser realistas e, o que pedia à esquerda, era que me apresentasse uma solução realista. Que me fizesse acreditar que votar à esquerda continua a ser um capital de esperança. Que não me deixasse órfão, obrigado a escolher entre o menos mau de dois padrastos. Em vez disso, a esquerda faz o discurso miserabilista do coitadinho e comporta-se como um qualquer outro partido que não só sabe que não será governo, como recusa sequer a colocar a hipótese de vir a ser.
Talvez por isso, enquanto reflicto sobre a actuação da esquerda, me vem constantemente à memória o conselho de Álvaro Cunhal na segunda volta das presidenciais de 1986. Não quero engolir um sapo, mas o voto no mal menor talvez seja, apesar de tudo, melhor do que entregar à direita, de mão beijada, as últimas conquistas de Abril.
Talvez os ares do Oriente me ajudem a reflectir e a tomar uma decisão.