Não me interessa quantas pessoas desceram à rua para protestar contra os políticos e o governo, desencantados com o futuro ou sentindo-se traídos pelo passado. As imagens mostram que foram muitos os que foram protestar pelos mais diversos motivos, não só pelos problemas de uma geração. A multidão que desceu à rua é o retrato de um país inteiro que está à rasca, devido às medidas draconianas que o condena a viver dentro dos limites das possibilidades reais. Depois de duas décadas a viver no mundo de fantasia do sobreendividamento e crédito barato, os portugueses foram despertados para a realidade, quando o seu desejo era continuarem adormecidos no embalo da sereia do consumismo, ilusionista perversa e libidinosa, contratada por Cavaco em 1987 para animar os portugueses. (Guterres renovou-lhe o contrato, Sócrates contratou-a a prazo e recibos verdes).
Não sei quantos foram, repito, os que se manifestaram. Nisto de números sou como S. Tomé. As sondagens com que nos têm brindado nos últimos tempos são a demonstração clara de que se mente muito e se servem interesses, plasmados em páginas de jornais.
O que me interessa saber é o que se vai seguir. De que serviu a manifestação de sábado passado se tiver sido apenas um momento de exaltação e revolta, após a qual as pessoas foram beber uns copos e descontrair? A quem serve uma manif em que um ex-candidato a PR exibe um cartaz onde se pode ler “ O povo unido não precisa de partido”, no dia seguinte a ter aderido ao Partido Trabalhista que ninguém sabe o que é, nem que interesses defende e apoiou Cavaco nas presidenciais? A quem serve uma manif que rejeita os partidos e quer acabar com os políticos?
Já escrevi, várias vezes, que não me deixo enlear pelo populismo e pela demagogia. Sei como acabaram manifs semelhantes no Chile, como é que Salazar chegou ao poder, como Spínola manipulou a “maioria silenciosa” e sigo atentamente o que se está a passar na Tunísia e no Egipto, apesar de a nossa comunicação social já se ter esquecido que há poucas semanas as pessoas saíram à rua para lutar pelo pão ( não pela democracia, como nos tentaram vender) , mas continuam a ter os mesmos problemas.
Não embarco em manifs voluntaristas, facilmente aproveitadas por grupos extremistas. Quando vou a uma manif, quero saber ao que vou. Para dizer o que quero e não para protestar no vazio, sem soluções ou propostas. Se quiser resmungar, chateio o cão da vizinha.