Quando era primeiro-ministro, Cavaco Silva permitiu ( pelo menos aos funcionários públicos) acrescentarem até cinco anos à sua actividade profissional, desde que declarassem ter trabalhado durante esse tempo, no sector privado, sem fazer descontos. Feita a declaração, esse tempo passava a contar para a reforma.
Não vivia em Portugal na altura, mas afiançaram-me que o processo era extremamente simples. Bastava alguém apresentar-se com uma testemunha, nos serviços da Segurança Social, que afiançasse serem verdadeiras as declarações prestadas. Depois, passava a descontar no seu vencimento uma percentagem para pagamento desses anos. Conheço casos de pessoas que afiançaram ter começado a dar explicações aos 16 anos e descontaram sobre o que auferiam nessa actividade, durante os anos qque muito bem entenderam.
Garantem-me que nessa época era comum as pessoas perguntarem umas às outras”Então quantos anos compraste?”.
Graças a este processo, houve muita gente que conseguiu reformar-se com 50 e poucos anos e partir para uma nova vida, com uma reforma no bolso por inteiro. Não sei se ainda com Cavaco, mas seguramente com António Guterres, outra medida veio facilitar o processo de reformas dos funcionários públicos e torná-las mais atractivas. Quem, nos últimos 3 anos antes da reforma, ocupasse, por exemplo, um lugar no Conselho de Administração de uma empresa pública, ou certos cargos de chefia, na Administração Pública, poderia reformar-se praticamente com a totalidade do vencimento auferido nesses três anos, graças a uma fórmula adoptada para as reformas, que privilegiava os últimos anos de carreira. Também os notários podiam reformar-se com o valor obtido no último mês de actividade, engordando assim substancialmente a sua reforma.
Foi assim em anos de “vacas gordas”. Manuela Ferreira Leite acabou com estas prebendas e congelou os salários. Mas repor a situação normal já não era suficiente para assegurar as reformas e pensões dos portugueses. Por isso Sócrates teve de cortar a direito, alargando a idade da reforma para os 65 anos e aumentando o número de anos de trabalho.
Ninguém nos governos responsáveis por este regabofe foi preso por tomar medidas que puseram em risco a sobrevivência das pensões das gerações futuras. Hoje, a idade da reforma é cada vez mais alargada ( não tarda, por imposição de Sarkozy e da senhora Merkel só será possível um trabalhador reformar-se aos 67 anos) e as retribuições são cada vez mais pequenas.
As desigualdades são gritantes. Enquanto alguns funcionários públicos se reformaram com pouco mais de 50 anos e 35 anos de serviço, recebendo a reforma por inteiro,a maioria assinou contrato com o Estado na expectativa de se reformar ao fim daquele tempo e vai ser obrigado a trabalhar 40 anos, e mais, para receber reformas mexerucas.
Entretanto, há meses, foram descobertos dois funcionários da segurança social que arranjavam esquemas que permitiam aumentar os anos de exercício de actividade profissional, garantindo uma reforma mais temperana e rentável. Cobravam até 500€ por ano “acrescentado” fraudulentamente. Não sei o que lhes terá acontecido.E ainda há quem diga que somos todos iguais...