As ditaduras militares latino-americanas foram sempre aceites com alguma compreensão pela direita europeia e entusiasticamente apoiadas pelos Estados Unidos e pela Igreja Católica. Nunca os ouvi condenar a censura, os crimes hediondos das ditaduras militares do Chile ou da Argentina, as torturas, a subjugação dos povos indígenas. Pelo contrário, ouvi-os respirar com algum alívio quando Pinochet conseguiu escapar às malhas da justiça, com o seu velado apoio.
Quando os países latino-americanos começaram a tentar libertar-se das ditaduras, a imprensa ocidental começou logo a encontrar ditadores em cada um dos líderes democraticamente eleitos. Não me consta que Chavez tenha torturado e mandado matar os seus adversários políticos. O mesmo não se pode dizer de Uribe, o aliado dos EUA, que perseguiu e mandou matar vários sindicalistas. Não li uma linha sobre isso na imprensa portuguesa.
Curiosamente, também se calou poucos dias depois de uma trupe de militares ter expulso o presidente das Honduras, mas deu grande relevo ao encerramento de algumas rádios locais, ordenada por Chavez.
A Rádio Federal de Buenos Aires divulgou há tempos uma extensa lista de canções, cuja difusão foi proibida pela ditadura militar. Nem uma linha na imprensa portuguesa. Interessa-me pouco a liberdade de imprensa, quando vejo a morte de pessoas que me são queridas ser escamoteada, ou branqueada, com o conluio silencioso da imprensa nacional.
Ou quando não dá o devido relevo ao facto de as grandes multinacionais do desporto , como a Nike ou a Adidas, terem escrito a Hillary Clinton, pedindo “a restauração da democracia nas Honduras” quando perceberam que o apoio aos golpistas lhes estava a provocar incomensuráveis prejuízos.
Não faltam relatos sobre as sanguinolentas ditaduras latino-americanas mas, curiosamente, alguma imprensa portuguesa, especializada no copy paste do que se passa além fronteiras, insurge-se contra pretensos ditadores bolivarianos, cujo único crime é pretenderem libertar os seus povos do jugo americano e da exploração de multinacionais pouco escrupulosas.
Corre-me nas veias sangue de vítimas das ditaduras latino-americanas. Conheci, pessoalmente, alguns dos desaparecidos durante a ignóbil ditadura argentina, que enchia helicópteros com dissidentes, para os lançar nas águas do Atlântico, ao largo de Península Valdez. Isso impressiona-me muito mais do que o encerramento de algumas rádios locais. Penso que aos latino-americanos, também. Não me refiro aos imigrantes, descendentes de europeus, que para lá foram fazer a sua vida. É mesmo dos latino-americanos que falo.