
Já escrevi aqui, diversas vezes, sobre a sangrenta ditadura argentina (1976-1983). Já enalteci a coragem do governo argentino ao decidir julgar e condenar os mais perversos executantes dessas páginas negras da história da Argentina. No passado dia 8 morreu o maior déspota desse período de tirania militar:
Emílio Massera. Foi ele o cérebro de uma das mais nauseabundas e sanguinárias práticas desse período. Daquela cabeça conspurcada brotou a ideia dos tristemente célebres “Voos da Morte”, que lançaram ao mar, vivos, milhares de resistentes argentinos.
Mas nem só os resistentes e adversários políticos eram alvo da sua tirania. O marido da sua amante também foi lançado ao mar, depois de ter sido convidado para uma cerimónia no iate da Marinha. Muitos bebés eram roubados às grávidas resistentes, para serem entregues a casais estéreis afectos ao regime.
Condenado a prisão perpétua em 1985, por crimes contra a humanidade, Massera foi amnistiado e mandado libertar por Carlos Menem, o vigarista que conduziu a Argentina à ruína no início deste século.
Voltaria a ser julgado e condenado anos mais tarde, acusado de outros crimes mas, em 2002, foi considerado demente e inimputável, tendo vivido em liberdade até à sua morte, na semana passada. Os argentinos viram-se finalmente livre de um dos seus maiores tiranos, mas nunca esquecerão os seus crimes.
Embora a cerimónia da cremação tenha sido rodeada de secretismo, para evitar manifestações populares, os comentários dos leitores nos jornais argentinos deixam transparecer de forma bem clara o júbilo com que a notícia da morte foi recebida pela população. O único lamento é que não seja possível cumprir os votos do historiador Osvaldo Bayer:
“Sobre a sua tumba cairá o cuspo de um povo ultrajado, como se fora chuva intermitente”.
Fica o consolo de saber que a sua morte foi antecedida de um longo período de sofrimento. Que nunca descanse em paz!