Lembro-me bem de um texto do meu livro de francês com este título. A palavra
“rentrée” é uma das palavras francesas que sempre me fascinou. Não pela sua sonoridade, mas pelo seu significado, que não tem equivalência em português.
Li aquele texto vezes sem conta. O que me eriçava a epiderme quando pronunciava a palavra “rentrée” não era apenas a dificuldade da tradução, era também a impossibilidade material de transpor o conceito para o modelo de vida lusa da época, em que muito poucos tinham direito a um mês de férias.
Desde que a imprensa se apropriou da palavra para assinalar os comícios que marcam o regresso de férias dos políticos, que a palavra deixou de exercer em mim o mesmo “glamour”.Hoje, curiosamente, voltei a sentir o fascínio de outrora. Talvez por saber que neste fim de semana em que a maioria dos portugueses regress de férias e a vida volta às suas rotinas, para mais um ano de labuta, é a minha altura de partir. Mas a “Rentrée” continua a ser, inevitavelmente, no primeiro fim de semana de Setembro e continuo a vê-la assim:
Ei-los que chegam! Pele tisnada dos ares algarvios, carregando no acelerador o peso das amarguras, ou ensaiando malabarismos em ultrapassagens acrobáticas, num treino para o equilíbrio do orçamento mensal, desaguam nas ruas da grande cidade com o ar triste de quem regressa às rotinas diárias. Voltam a abarrotar –se os transportes; regressam as filas intermináveis caracoleando nos acessos à cidade; os balcões das pastelarias voltam a animar-se em refeições rápidas de come em pé, num menu “standard” SFB ( sopa, folhado e bica); as escolas voltam a ser palco de disputas entre professores e alunos e a ministra voltará à sua função de árbitro parcial numa contenda interminável.A cidade volta a tornar-se insuportável, os que cá ficaram suspiram pelo próximo Agosto, ou por aqueles dias de Natal e Ano Novo, quando a cidade se volta a esvaziar, para um encontro repetido de famílias, cumprindo o ritual de troca de presentes. Até lá suceder-se-ão fins de semana, num movimento de io-io entre a cidade e a “terrinha”, continuaremos a assistir ao regresso a casa de carros a abarrotar de mantimentos e agruras. Para a maioria das pessoas é assim que se renova a vida. Na sequência repetitiva do asfalto, nas areias de uma praia a abarrotar, no contar de mortos em acidentes de viação, provocados pela incúria e loucura de uns quantos. Para telenovela, o argumento até não me parece mau… mas para modo de vida parece-me curto de ambição!