Devo começar por explicar-vos que escrevo esta CG sobre o descanso, muito cansado. É que, como muitos saberão, regressei de uma mini-férias de 10 dias que me descansaram o corpo, mas entorpeceram o cérebro e ainda não tive tempo para o voltar a programar para o trabalho. Talvez por isso, enquanto olhava para o computador, com a mesma angústia com que em tempos olhava para uma folha de papel branco sem saber o que escrever,me lembrei que há coisas relacionadas com o descanso que nunca percebi.
Só muito tarde descobri, por exemplo, o sentido da expressão “sopas e descanso” que durante muitos anos aliei à máxima dos calaceiros –para quem alegria no trabalho se resume ao dia em que recebem o vencimento- ou de alguns reformados, cujo projecto de vida é passar o dia sentado numa mesa de café ou a jogar cartas com os amigos, enquanto esperam pelo cangalheiro.
Talvez por isso hoje se fale tanto de reforma activa e os governos europeus adiem sucessivamente a idade da reforma
. Bem, mas isso são contas de um outro rosário que talvez desfie por aqui noutra oportunidade.
Outra coisa que não percebo é dizer-se que o domingo é o dia de descanso semanal. Há imensa gente que trabalha ao domingo e, digo-vos, fui muito feliz na época em que o meu descanso semanal era a meio da semana. Afianço-vos que, para mim, o verdadeiro descanso semanal não é caminhar no paredão nas manhãs de domingo, quando está invadido de gente, nem ir passear até à Ericeira ou à Praia das Maçãs, tendo que enfrentar longas filas de trânsito e esperar em pé por uma mesa num restaurante com vista para o mar. Tampouco significa chegar ao fim do dia com a neura de pré segunda-feira, eventualmente agravada pelo facto de a nossa equipa ter perdido o jogo e atrasado na luta pelo título.
Descanso semanal, para mim, é poder ir ao cinema numa tarde de quarta-feira, depois de ter passado parte da manhã a ler o jornal, numa esplanada deserta, enquanto os outros estão trabalhar. O dia de descanso semanal ao domingo ( ainda que para muitos venha acoplado ao bónus do sábado) faz-me sempre lembrar aquele diálogo do Speedy Gonzalez com a namorada:
“Ai querida é tão bom, não foi?”
Nos tempos modernos instituiu-se o conceito de fim de semana alargado como sinónimo de descanso. Valha a verdade que gozar um desses fins de semana é como dar uma rapidinha: sabe bem, alivia as tensões, mas quando acaba ficamos como a madame do anúncio da Ferrero Rocher :“Jerónimo, apetece-me algo…”.
O “algo” neste caso são as férias grandes que só chegam uma vez por ano e, assim que acabam, nos deixam a salivar à espera das próximas. Podemos ter boas recordações daquele fim de semana prolongado em Paris, numa Pousada, ou num hotel de charme, mas nada se compara às férias grandes. Grandes, é como quem diz… uns pindéricos vinte e poucos dias que a maioria dos portugueses nem sequer goza de uma vez !
Férias grandes eram as do meu tempo de estudante. Quatro meses no Verão, mais umas semanitas no Natal e na Páscoa. Não é que descansasse muito ( descansava mais em algumas aulas de Português, História ou Geografia , especialmente nos anos em que tive professores excepcionais) mas era um tempo de renovação do corpo e do espírito que permitia enfrentar o ano lectivo seguinte , como se a vida iniciasse um novo ciclo. Agora quem é que descansa como deve ser, com pouco mais de 20 dias de férias por ano, ainda por cima gozados às pinguinhas? Pronto, mas é aquilo a que temos direito e o melhor é não protestar muito, porque já anda por aí gente a dizer que descansamos demasiado e temos férias a mais.
Há também umas deputadas que devem gostar de “rapidinhas” e querem colar os feriados aos fins de semana. Sou contra! O melhor era juntarem os feriados e gozá-los todos de enfiada. SEmpre era pelo menos mais uma semana de férias e qual a diferença de comemorar o 25 de Abril no dia 24, ou em Outubro?
Bem, mas o importante é aproveitar as férias para um bom ripanço. Confesso que não sou muito esquisito. A única regra que tenho é nunca gozar férias em Julho e Agosto. Pelas mesmas razões que invoquei sobre os domingos, prefiro tirar as minhas férias fora de época, pois só assim é que saboreio plenamente o descanso (a praia no Verão faz-me lembrar o Metro em versão descapotável).Imprescindível é ter um período de pelo menos três semanas: a primeira para o descanso absoluto e "limpar" a cabeça; a segunda para fazer o que me der na real gana e a terceira para me preparar para o regresso ao trabalho.

Mas o que gosto mesmo é de viajar. De andar de olhos bem abertos à descoberta de realidades diferentes das do meu país - sejam elas boas ou más - de contactar com as pessoas, perceber como elas vivem, de trocar opiniões sobre o seu modo de estar, a sua relação com o Estado, os modelos sociais do país, como funciona a justiça, a saúde ou a educação. Numa frase apenas: gosto de sentir o pulsar do país que escolhi como destino de férias.
E também gosto de descansar, passando uns dias no meu Douro, em Setembro, e uma semanita nas termas fazendo nada, ou seja, a ler, caminhar, escrever e fazer Sudoku para prevenir a visita do tio Alzheimer. O problema é que falta tempo para isso tudo. Daquele que se mede pelo relógio e do outro que é determinado pela conta bancária.
Ora digam-me lá: quem pode descansar condignamente se não tiver os dois tempos? Será que a minha querida parceira tem uma resposta para esta questão? Vão lá ver o que ela pensa sobre o descanso...