
Já aqui escrevi que uma das características que mais me irrita no comportamento luso é o umbiguismo. Quando criticamos alguma coisa que consideramos errada, dizemos logo
“ isto só neste país!”. Esquecemos, muitas vezes, que uma situação idêntica à que criticamos cá, se passa em países mais civilizados e com melhor nível de vida do que o nosso.
O umbiguismo nacional ataca também imprensa, rádios e televisões. Não são raros os dias em que os espaços de informação televisiva em horário nobre são exclusivamente dedicados a questões nacionais e, o mais frequente, é que as notícias sobre o que se vai passando no mundo sejam remetidas para um espaço residual, antes de terminar o telejornal.
Só quando ocorrem factos muito graves (preferencialmente com mortes) é que uma notícia internacional abre um noticiário em televisão. Nessas circunstâncias- como foi o caso do impronunciável vulcão islandês- pode até acontecer que metade do noticiário seja dedicado ao acontecimento, com repórteres espalhados por vários locais a debitarem informação repetitiva que nada acrescenta ao que foi dito pelo pivô e a fazer entrevistas a passageiros impacientes ou conformados.Na imprensa passa-se o mesmo. Ao contrário do que acontece com muitos jornais por essa Europa fora, que abrem com o noticiário internacional, os nossos jornais abrem quase sempre com noticiário nacional e remetem a secção dedicada ao internacional para meio do jornal. Parece irrelevante, mas não é. Demonstra que o umbiguismo nacional chegou ao jornalismo e isso é muito mau.

Qualquer bom jornalista sabe a importância de ter uma clara visão do mundo, independentemente das matérias que trate. Seja para escrever sobre economia, política nacional,internacional ou ambiente, deve ter uma visão do mundo que lhe permita compreender, interpretar e reproduzir para os leitores uma notícia, sem a reduzir à expressão de um jornal de paróquia.
Um bom jornalista não é, obrigatoriamente, um rato de biblioteca que lê muito e gosta de publicitar a sua erudição, divulgando as suas leituras ( onde não faltarão algumas biografias) , para ganhar a admiração de quem o rodeia. Um bom jornalista é aquele que tem mundo dentro de si. Não precisa de dar três voltas à Terra para coleccionar milhas e carimbos no passaporte. Basta que perceba o mundo que o rodeia e em cada destino por onde passe, apreenda alguma coisa da realidade.
Nos jornais ( digo jornais e não imprensa) portugueses há pouco mundo. Ontem, por exemplo, das 56 páginas do caderno principal do DN, apenas três eram dedicadas a temas internacionais e a notícia do dia ( o ataque israelita) era remetida para a página 25, que parecia uma linha de montagem de agências noticiosas.
O Público dedicava três páginas ao assunto e tratava o tema nas páginas 2 a 4, ocupando quase metade do noticiário internacional de sete páginas, numa edição de 40. Isto revela muito sobre um jornal e quem o faz, mas há outros pormenores importantes.
Os jornais deviam preocupar-se em dar aos seus leitores uma visão global do que acontece no mundo, antes de se preocuparem com as tricas caseiras. No entanto, os diários ( O Público será a excepção) fazem exactamente o contrário. Dirão alguns que é uma questão de pragmatismo: os jornais noticiam aquilo que as pessoas gostam ler. Nada mais errado. O pragmatismo é inimigo do progresso. É estagnação e conformismo e o que eu quero dos jornais é informação e sabedoria.

Os jornais portugueses têm de perceber que a concorrência da Internet ameaça reduzi-los a meros reservatórios de informação. Se não apostarem na qualidade, isenção e universalidade noticiosa têm os seus dias contados .Infelizmente, os jornais estão a fazer tudo ao contrário.
As pessoas só voltarão a sentir que vale a pena investir um euro diário na compra de um jornal, quando ele lhe der informação contextualizada, notícias do que se passa no mundo ( de preferência acompanhada por análises de especialistas conceituados) e, acima de tudo, se preocupar em relatar factos em vez de emitir opiniões. Quem compra um jornal para ler as cretinices de colunistas como João César das Neves?
Não compro jornais para ler opiniões, mas sim notícias. Não compro jornais para fazer faqueiros , serviços de copos ou a caderneta de cromos do Papa, nem para coleccionar DVD’s.Quando compro jornais, quero notícias, não quero brindes. Para isso vou às feiras e mercearias do Belmiro de Azevedo ou do Jerónimo Martins.
Quero ler jornais onde os jornalistas escrevam com paixão. Não quero jornais onde os jornalistas se deixem reduzir à figura de amanuenses. Passar os dias a pesquisar na Internet, tirar um bocadinho daqui e dali, coser tudo, fazer uma notícia e no fim do mês ir buscar o salário não é jornalismo… Isso já faziam os copistas, mesmo não dispondo das novas tecnologias.
Quero jornais que façam reportagens e investigação, não quero imprensa de mexericos. Estou interessado em saber como é que vai o mundo, não me interessa saber se as mamas da Tina são de silicone, ou se o Brad Piit empalitou a Angelina Jolie. Para isso tenho as revistas cor de rosa, o barbeiro e a minha empregada.
Quero jornais com mundo dentro, não quero notícias que reproduzem conversas de alcoviteiras. Quero jornais feitos por jornalistas, não quero jornais feitos por bisbilhoteiras. Quero, enfim, jornais que façam jornalismo e deixem os jornalistas honrar a sua profissão, mas isso só será possível quando, quem manda nos jornais deixar de ver o mundo através do umbigo de alguns jornalistas.
Adenda: utilizei neste post as palavras "alcoviteira" e "bisbilhoteira". Leitora amiga e atenta protestou, com razão. Já lhe apresentei justificação na caixa de comentários mas, antes que haja outras reacções de descontentamento, lembro que nas Crónicas de Graça da última sexta-feira fui bem claro ao dizer que a bisbilhotice não tinha sexo. Entendam pois que se tratou de um lapso e não de uma determinação de género.