
Sempre tive apreço pela faceta humanista de António Guterres, mas nunca me entusiasmei com António Guterres Primeiro Ministro. Problema meu, certamente. Lidei demasiado de perto com alguma da sua “entourage” e, conhecendo alguns traços da sua personalidade, percebi que seria deglutido num lugar para que não estava “talhado”.O primeiro mandato ainda aguentou sem grandes ondas mas, no segundo, percebeu que os abutres estavam a preparar o banquete e bateu com a porta a pretexto do desatre autárquico.
Conhecemos bem o que se seguiu a Guterres, principalmente depois de o último escolho que obstava à ascensão de Sócrates (Ferro Rodrigues) ter sido afastado da liderança do PS, em circunstâncias que vale a pena manter em arquivo para memória futura. Temos bem presentes no baú das recordações os episódios burlescos no PSD, a começar pela fuga de Durão Barroso, (que recebeu a liderança da Comissão Europeia, como recompensa pelo seu papel de mordomo na cerimónia do chá onde foi decidida a invasão do Iraque) e a terminar nas fugazes lideranças de Santana Lopes, Luís Filipe Meneses, Manuel Ferreira Leite e , agora, o beato Coelho.
Entretanto, Guterres foi para o ACNUR- lugar que alguma comunicação social considerou “menor” - e nós arrumámo-lo no sótão. De vez em quando, alguém vai lá limpar o pó, encontra a sua fotografia e decide falar dele. Foi o que fez a “Pública” no último domingo.
Acabei de ler há pouco a excelente reportagem de Teresa de Sousa nos campos de refugiados da Tanzânia e a entrevista que fez a Guterres. Fiquei reconfortado e simultaneamente deprimido. O trabalho que desenvolveu no primeiro mandato à frente do ACNUR foi verdadeiramente notável, mas como Guterres lida com pessoas e não com números, não lhe é dado o devido valor em Portugal. Lá fora pensam de modo diferente. A revista Forbes colocou-o entre as pessoas mais influentes do mundo e a ONU reconduziu-o no cargo.
Quem não sabe, tem oportunidade, através da leitura das duas peças, de conhecer a estatura humana de Guterres e perceber porque não poderia ser um bom primeiro-ministro nos tempos que correm. Quem põe as pessoas à frente dos números não pode ter sucesso neste mundo cão regido pelo poder do dinheiro. Guterres foi o último homem com coração a ocupar o lugar de primeiro-ministro num país europeu. Desde então, a “qualidade” dos políticos portugueses e europeus tem baixado de forma assustadora. Num plano inclinado que conduz ,a uma velocidade vertiginosa ,a uma fossa putrefacta onde os excrementos se mantêm à tona.