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Volto à cidade de Cabo.
A escolha justifica-se, porque creio ser difícil aos cidadãos ocidentais, repimpados nas maravilhas das novas tecnologias, imaginar que dentro de pouco tempo poderão não ter acesso a velhas tecnologias, como água canalizada a brotar das torneiras, por exemplo.
Já experimentei viver com água racionada em algumas zonas do globo fustigadas por secas prolongadas, onde a miséria é indescritível e inimaginável para os padrões de vida ocidentais. Posso dizer-vos que não é nada agradável.
Enquanto a seca só afectava as regiões mais pobres do mundo, o mundo “civilizado” não deu grande importância. Afinal o Sudão do Sul é um inferno na Terra… e os muitos milhões de seres humanos sem acesso a água potável vivem nessa zona miserável do globo, a que chamam de Terceiro Mundo
Agora, porém, a seca começa a ameaçar grandes metrópoles, como Cidade do México ou Melbourne.
A situação mais grave vive-se, porém, na maravilhosa, luxuosa, ambígua, contraditória e exclusiva cidade do Cabo. As famílias mais pobres há muito se habituaram a ter de percorrer diariamente longas distâncias, para acarretar água.
Já na zona mais luxuosa, onde estão as mansões das famílias mais abastadas, as piscinas deixaram de ter a função para que foram construídas e estão a ser utilizadas como reservatórios de água.
Em Setembro, os quatro milhões de residentes ainda podiam gastar 150 litros de água diariamente. Desde o início de Fevereiro estão restringidos ao uso de 50 litros ( abaixo dos mínimos recomendados pela ONU) o que significa, por exemplo, tomar banho uma vez por semana, ter de recorrer a sanitas secas de compostagem e habituarmo-nos a uma série de artifícios de “reciclagem” caseira.

O que mais impressiona e faz de qualquer ambientalista aprendiz um cidadão iracundo, é o facto de as autoridades sul africanas saberem, desde 1990, que no prazo de 20 anos as torneiras iriam secar na cidade do Cabo, se não fossem tomadas medidas adequadas. Ninguém ouviu os conselhos e advertências de cientistas e ambientalistas e o resultado está à vista: as autoridades prevêem que, se a seca continuar ( praticamente não chove há três anos), o Dia Zero ( dia em que a água deixará de brotar das torneiras) deverá ocorrer entre Maio e Junho.

Será difícil imaginar quatro milhões de habitantes a terem de deslocar-se, diariamente, dezenas de quilómetros para se abastecerem em pontos indicados pelas autoridades. Para além das questões logísticas que envolvem um problema desta magnitude, haverá consequências gravíssimas em termos económicos, sociais e de saúde pública. Centenas de milhares de pessoas ficarão sem emprego mas, os que conseguirem manter o seu posto de trabalho, como arranjarão forma de ir para as longas filas da água, onde terão de passar horas?

Não quero lançar o pânico, nem ser catastrofista, mas face ao que se está a passar em várias regiões do nosso país, com as barragens praticamente secas e a esperança de reposição significativa ser escassa, é altura de começar a encarar seriamente a necessidade de restrições. E se não chover, ou se multiplicarem os incêndios estivais, é imperioso que se tomem medidas preventivas. Antes de racionar a água nas torneiras, há muita coisa a fazer. Para além de campanhas de sensibilização para poupança de água também é necessário ser implacável com quem não limpar as matas, ou fizer queimadas ilegais.
Toda a irresponsabilidade individual que ponha em risco o bem comum deverá ser severa e exemplarmente punida. Sem contemplações. É altura de os tugas aprenderem a viver em sociedade e não incrustados nos seus mundos eivados de egoísmo, onde apenas conta o seu próprio interesse.
Em tempo: este post foi escrito ontem. Não sabia, por isso, que o "Público" iria publicar hoje um extenso dossier sobre a seca em Portugal. Congratulo-me ao ver que um dos jornais de referência lança alertas muito semelhantes aos que aqui deixo. É mais um sinal de que o assunto é sério e não pode ser desvalorizado pelo governo, nem escamoteado pela sociedade civil.