Há tempos contei aqui a dificuldade que tive em oferecer uma
boa parte dos meus livros. Pretendia oferecê-los a bibliotecas municipais, mas
as dificuldades que me colocaram para os receber e o facto de só poderem recebe
5 ou 10 livros de cada vez, levaram-me a optar por outra solução que em breve será posta em prática e irá servir a
comunidade onde me insiro com mais proveito do que nas bibliotecas. Pelo menos
assim o espero…
Vem este introito a
propósito de um caso divulgado recentemente pelo Sexta às 9. O tema
era a “caridade enganosa” trouxe-me à
memória um episódio mais recente, que ilustra a dificuldade que é dar neste
país.
Após o falecimento da minha Mãe pus à venda a minha casa no
Porto. O recheio foi vendido antecipadamente mas, para além de algumas peças que
ofereci, ficaram as roupas da minha mãe e de casa que, por estarem em muito bom
estado, decidi oferecer a instituições.
A primeira instituição que contactei foi a Caritas, pois a
minha Mãe foi lá voluntária durante mais de duas décadas e sei que as roupas
são entregues a quem precisa. A responsável com quem falei foi simpatiquíssima
e ficou muito entusiasmada com a oferta, pois conhecia a minha Mãe. Havia, no
entanto, um problema. Eles não podiam ir buscar as roupas, porque não tinham
meio de transporte, pelo que teria de ser eu a
empacotar tudo e transportar até à sede da Caritas. Expliquei que eram
muitas dezenas de peças de vestuário e ainda sapatos, carteiras, roupas de cama,
cobertores e colchões que gostaria de oferecer, mas o meu estado de saúde não
me permitia estar a empacotar tudo. Pedi, por isso, que alguém fosse lá a casa
empacotar e prontifiquei-me a contratar uma empresa que garantisse o
transporte.
A senhora agradeceu muito a minha disponibilidade, mas
confirmou a impossibilidade de a Caritas deslocar alguém lá a casa para ajudar
a empacotar as coisas que eu pretendia oferecer. A única coisa que poderia fazer era
indicar-me uma instituição que, garantidamente, daria bom uso e destino
adequado ao que eu pretendia oferecer.
Agradeci e fiquei com o contacto.
Entretanto, telefonei a
pessoa amiga da minha Mãe a perguntar se sabia de alguma instituição que
precisasse do que eu tinha para oferecer. De pronto me indicou o nome de uma ,instituição
que, pretensamente, apoiaria sem abrigo.
Contactei-os de imediato. Manifestaram interesse e, no dia
seguinte, pela manhã lá estava uma carrinha com quatro homens para fazer a
recolha. Quando lhes mostrei as roupas, aquele que devia ser o encarregado
disse-me:
- Não queremos nada disto, obrigado. Isto são roupas que não
interessam aos nossos associados. Ninguém vai pegar nisto, porque estão fora de
moda.
Olhei para várias peças que nem sequer tinham sido
estreadas, engoli em seco e perguntei:
- Então e os cobertores ( a maioria em estado impecável) e
os colchões, não vos interessam para os sem abrigo ?
- Não. O melhor que tem a fazer é queimar isso ou levar para
uma lixeira. Nós só recolhemos material que tenha valor comercial para vender.
Compungido, telefonei
aos Companheiros de Emaús, a instituição que me tinha sido indicada pela
Caritas. Nessa mesma tarde
apareceram quatro homens e um padre que
me contou a história da Comunidade. Levaram tudo quanto eu tinha para oferecer e,
ao verem uns sacos com restos de tecidos que eu pensava deitar fora,
perguntaram-me se também os poderiam levar. Obviamente acedi.
Quando iam de saída, um dos homens perguntou-me:
- O senhor desculpe, mas o que vai fazer às cortinas que
aqui tem?
- Vão ficar aí. As pessoas que compraram a casa dar-lhe-ão o
destino que entenderem
- O senhor importava-se se nós levássemos umas duas ou três?
É que faziam imenso jeito para as nossas casas.
- Podem levar tudo o que quiserem- respondi
E levaram. Estiveram a tarde inteira e a manhã do dia
seguinte a desmontar cortinas. Partiram com a felicidade estampada no rosto e
deixaram-me de bem comigo.
Resumindo: até para dar é preciso sabermos bater à porta certa.