Este cartoon de António publicado no Expresso levantou enorme celeuma.
Muitos dos que hoje se indignam com o atentado contra o Charlie Hebdo, criticaram-no ferozmente, por o considerarem uma ofensa à Igreja Católica e a todos os católicos.
Lembro-me que nessa altura se discutia acaloradamente se não devia haver um limite à liberdade de expressão.
Lembro-me também da indignação de um Lara, secretário de estado da cultura de Cavaco, que proibiu a nomeação de " O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de Saramago, para um prémio literário europeu, com o argumento de que o livro ofendia os valores nacionais.
E lembro-me da indignação da Igreja Católica mais conservadora e dos que sairam à liça clamando que a liberdade de expressão tinha limites.
Lembro-me de ter participado em debates em Macau sobre o livro, onde os argumentos contra eram de um conservadorismo primário.
E lembro-me das críticas ferozes que recebi de algumas pessoas, na sequência de um artigo que escrevi na Tribuna de Macau a propósito do debate.
E lembro-me dos que exigiam que se pusesse um travão na liberdade de expressão.
E lembro-me da proibição de Humor de Perdição de Herman José, por causa de uma entrevista à Rainha Santa Isabel que a direita considerou um atentado aos nossos valores históricos. Anos depois, essa mesma direita eliminou o feriado de 1 de dezembro, símbolo da nossa independência, alegando interesse nacional.
E porque me lembro disto tudo considero de uma hipocrisia sem nome muitos daqueles que hoje se dizem indignados contra o ataque ao Charlie Hebdo.
Poderia argumentar que pimenta no cú dos outros é refresco, mas não vou por aí. Limito-me a lembrar que muitos desses indignados são tão fundamentalistas como os atacantes do Charlie Hebdo, mas disfarçam muito bem. Para muitos deles, bater numa mulher na dose certa, nunca será violência doméstica. Como ainda há não muito tempo um douto juiz fez questão de salientar numa sentença.