A Black Friday assinala, nos EUA, o início da época de saldos de Natal. Todos os anos, milhares de pessoas formam longas filas à porta dos estabelecimentos das grandes marcas, com o objectivo de comprar presentes de Natal a preços reduzidos. Já tive oportunidade de assistir “in loco” à loucura da Black Friday- assinalada no dia imediato ao Thanksgiving- e fazer uma reportagem onde descrevia o estado de insanidade que se apodera dos americanos, horas depois de celebrarem o dia da “Acção de Graças”.
Há meia dúzia de anos um funcionário da Wal-Mart, foi espezinhado e morto por uma multidão sedenta de entrar naquele estabelecimento, à procura de pechinchas com que pudesse brindar os seus rebentos, familiares e amigos, na noite de Natal.
Embora muitos se tenham apercebido da brutalidade, continuaram a fazer as suas compras sem constrangimentos, regressando a casa a abarrotar de embrulhos com brinquedos tão lúdicos como o Robot Man, tanques disparando balas de plástico, soldados robots aniquilando iraquianos ou uma simples Barbie trajada de “pop-star”.
No dia de Natal, este energúmenos observarão, com enlevo, a alegria dos seus rebentos a desembrulhar os presentes que pediram ao Pai Natal. Nem por um momento lhes passará pela cabeça que, no mesmo momento, uma família enlutada estará a chorar a morte de um ente querido, espezinhado por uma turba de loucos.
Dir-me-ão que o sucedido nos arrabaldes de Nova Iorque poderia ter acontecido noutra cidade qualquer, de um outro qualquer país. Concedo. Lembro, no entanto, que os americanos passam por ser, aos olhos do mundo, um modelo de sociedade evoluída, pelo que exemplos destes podem ser interpretados como uma situação normal em sociedades menos desenvolvidas. Como a nossa, por exemplo, onde há já muitos estabelecimentos comerciais a assinalar a Black Friday com promoções especiais.
É obviamente um despropósito, fomentado pela sociedade de consumo que procura reabilitar-se da crise que a deixou à beira do estertor. Muitos considerarão que é um sinal positivo da reanimação do consumo e da economia.
Pessoalmente, penso que é este o espírito de Natal da sociedade da hiperescolha. Mesmo em tempos de crise, é preciso criar nas pessoas a ideia de que podem atingir a felicidade consumindo desenfreadamente. A realidade, porém, é radicalmente diferente. À medida que nos afogamos no prazer de consumir, vamo-nos sentindo mais infelizes.
Em tempo: este ano, Cavaco Silva foi o embaixador de Portugal na promoção da Black Friday lusa. Foi até ao Dubai vender sol, cavalos, aviões e gajas boas, a preço de saldo.