Já por diversas vezes lembrei aqui o “Corralito” argentino, a propósito da crise portuguesa. Quando soube que o governo grego, escolhido e empossado pela dupla Merkel/Sarkozy, após terem derrubado Papandreous, ameaça abandonar a zona euro se não lhe derem 130 mil milhões até final de Janeiro, voltei a recordar esse episódio e os dias então vividos na Argentina.
Há várias coincidências, mas são maiores as discrepâncias, como a seguir tentarei demonstrar.
Em 1990, a Argentina optou por indexar o peso ao dólar, optando pela paridade entre as duas moedas. Durante 10 anos, sob a batuta de Menem e do seu ministro das Finanças Caballo, o país das pampas viveu um período conhecido como “ dolarização económica” mas, em 2001, o incumprimento da dívida obrigou a uma desvalorização brutal e os argentinos viram as suas poupanças reduzidas a ¼ do seu valor. Ou seja, em vez da paridade ( 1 peso= 1 dólar) passaram a ser necessários quatro pesos para perfazer um dólar.
Após dois anos de recessão económica violenta ( 2001 e 2002), a Argentina começou a crescer à media de 9% ao ano até 2009, ano em que a crise financeira mundial travou o crescimento e a inflação disparou, atingindo em 2011 cerca de 10 por cento.
Este ano, embora a queda de 5% nas exportações para a Europa registada em 2011 possa acentuar-se, a inflação deverá baixar dos 8% e o crescimento estimado é de 4,5%.
O “pequeno milagre” argentino -apesar de ainda não estar consolidado, pelas razões já explicadas- só foi possível graças ao boom económico da região e aos países emergentes, que favoreceram um aumento muito significativo das exportações de produtos argentinos.
O cenário de recessão e/ou estagnação dos países da zona euro e da Europa em geral, não permitem aos gregos ( nem aos portugueses) sonhar com a repetição do milagre argentino, no caso de decidirem abandonar o euro. A Grécia ( tal como Portugal) não tem uma indústria forte, o seu tecido empresarial é débil e o mais provável, no caso de abandono do Euro, seria uma sucessão de falências e uma corrida aos bancos que destruiria o sistema bancário.
Como justificar então a ameaça grega de abandonar o euro, no caso de não receber até final de Janeiro 130 mil milhões de euros da troika? Como uma chantagem do governo,escolhido pela dupla Merkel/Sarkozy, sobre os trabalhadores gregos. Foi uma mensagem para dentro do país e não para fora. Traduzindo, o que o governo grego disse aos trabalhadores gregos, foi:
" Ou aceitam reduzir os vossos salários, aumentar o desemprego, flexibilizar os despedimentos e perder os direitos conquistados, ou a troika não nos dá o dinheiro de que precisamos e temos de abandonar o euro e regressar ao dracma"
No entanto, a ameaça ( chantagem) da Grécia não pode ser encarada de ânimo leve pelo directório europeu, já que poderá ter um efeito boomerang, no caso de os sindicatos gregos permanecerem na sua luta, recusando abdicar dos subsídios de férias e de Natal, ou aceitar a redução do salário mínimo de 750 para menos de 500 euros .
Desesperados, sabendo que o pagamento da dívida é impossível e perante o cenário de viverem décadas sucessivas de empobrecimento, os gregos podem jogar uma cartada decisiva: nós vamos ao fundo, mas arrastamos a Europa connosco.
Pode parecer uma jogada suicida, mas talvez não seja tanto assim. É natural que os gregos esperem apoio dos espanhóis e italianos ( com os portugueses não podem contar, porque preferem lutar pelo título de povo mais dócil da Europa) países igualmente em grandes dificuldades que, a breve prazo, poderão estar a confrontar-se com a impossibilidade de pagamento das suas dívidas.
Se é expectável que em 2012 os portugueses continuem a ser elogiados pelo seu bom comportamento e resignação, o mesmo não deve acontecer nos restantes países com problemas.
O clima social na Grécia está em brasa, em Espanha e Itália os próximos seis meses serão determinantes e poderão marcar o início de manifestações de descontentamento e em França uma vitória de Hollande nas presidenciais de Abril/Maio poderá provocar arrufos no eixo franco-alemão.
O ano que agora começa pode, por isso, ficar na História, como o início de uma transformação profunda na Europa que, em minha opinião, dependerá mais do que se passar nas ruas e nas urnas, do que nos corredores de Bruxelas ou em Wall Street.
É por tudo isto que recuso esta ideia que nos querem impingir, de que as medidas de austeridade são uma purga necessária que devemos aceitar com resignação para nos purificarmos e, daqui a dois ou três anos podermos voltar a ter um nível de vida aceitável. Ora essa é a maior patranha que mr Coelho e seus acólitos nos têm estado a vender. A resignação conduzirá o país a maiores desigualdades, a um empobrecimento irreversível da classe média e à perda total da nossa soberania. Aceitar com conformismo tudo o que nos impõem, é padecer de cegeuira crónica irreversível.
Os gregos já perceberam isso. Espanhóis e italianos também, mas ainda estão expectantes e aguardam o anúncio das medidas dos seus governos, antes de decidirem as formas de luta. Os portugueses comportam-se como cordeirinhos dispostos a ser imolados no altar de sacrifícios da senhora Merkel, sem oferecer resistência? Então talvez tenham o que merecem: a justa recompensa pela sua subserviência, torná-los-á o povo mais pobre ( e estúpido) de toda a Europa, governado por um grupelho que representa a direita mais retrógrada e indigente que pisou solo europeu nos últimos 60 anos e se dá ao luxo de ser o que mais penalizou as classes trabalhadoras e poupou sacrifícios aos endinheirados.
Os sul –americanos, habituados a pagar com a vida a luta contra ditaduras sanguinárias, falam com desprezo da nossa falta de “cojones”. E é triste sentir esse desprezo e ouvir essas críticas, acreditem...