( continuado daqui)
No momento em que estava debruçada sobre o Lago , viu um rosto reflectido nas águas. Começou a sentir o corpo a tremer como se estivesse ligado à corrente e deixou escapar um grito abafado pelo medo.
- Não se assuste, minha senhora. Peço desculpa pela minha imprevidência, devia ter anunciado a minha presença, mas esteja descansada porque não lhe quero fazer mal. Só precisava da sua ajuda…- desculpou-se o homem

Cátia Janine, ainda mal refeita do susto, contra atacou:
- O senhor é idiota! Isso não se faz… francamente! O que quer? Comida?
O homem sorriu, deixando ver um incisivo de ouro
- Não, minha senhora, graças a Deus já almocei ali em Tomar. Depois do almoço vim até aqui para ler e repousar um pouco, mas como estava a dar o relato do Porto- Benfica deixei o rádio ligado e agora, quando me ia embora reparei que tinha ficado sem bateria. Sou imprevidente, eu sei, mas peço-lhe que me perdoe...
Já recomposta, Cátia Janine perguntou com aspereza:- E que quer que eu lhe faça?
-Bem, como a senhora tem ali o seu carro… aquele Austin é seu, não é?... a senhora podia ajudar-me a recarregar a bateria. Eu tenho ali os cabos, é só ligar e em cinco minutos está o assunto resolvido.
-Está bem… eu já me ia embora daqui a nada, se são só cinco minutos não há problema.O homem ajudou Cátia Janine a arrumar as coisas e transportou-as até ao carro.
Pelo caminho brincou com a situação, numa tentativa de aliviar o clima tenso que pairava no ar.
- A senhora devia ter-se lembrado da hipótese de ser assaltada antes de vir para aqui sozinha fazer um pic-nic. Se eu fosse mesmo um assaltante …
(Aproximou o rosto de Cátia Janine que num impulso se afastou)
...desistia logo ao ver uma mulher tão bonita.
Aquelas palavras que Catia Janine sabia serem falsas e sobretudo a tentativa de aproximação não lhe agradaram:
- Por quem me toma? Por alguma galdéria? Fique sabendo que sou advogada!-Ah desculpe! Não me apresentei. Júlio Saraiva, um criado às suas ordens…
- Cátia Janine
- Lindo nome! A minha mãe também se chamava Cátia. Já morreu, coitadinha…
Chegados ao carro de Cátia Janine, Júlio Saraiva arrumou a cesta no porta bagagens e apontou para o carro dele, um Fiat 124, parado a uma escassa centena de metros.
- Então, se não é maçada, senhora doutora, levava o seu carro até ao pé do meu. Como é a descer, nem precisa de o ligar. Eu vou indo a pé, preparo os cabos e em cinco minutos estamos despachados.
Ela meteu-se no carro e ficou uns segundos a observá-lo. Era um homem musculado de estatura bem acima do português médio. Vestia umas calças de veludo beje e uma camisa desportiva creme, desabotoada, deixando ver os pelos do peito. Levava no braço um jaquetão de antílope castanho e calçava sapatos de camurça a condizer.
Veste bem, pensou. O que fará na vida? Também não lhe vou perguntar. Se quiser dizer, diga, caso contrário fica como o senhor Júlio. Não deve ser licenciado, senão tinha dito logo e não se punha a tratar-me por senhora doutora. Comerciante? Contrabandista? Tem um ar fino, se calhar é empresário…
Quando chegou ao carro de Júlio, ele já tinha os cabos na mão e, ao avistá-la, acenou-lhe com eles, fazendo o gesto de um forcado a preparar uma pega de caras. Conseguiu arrancar-lhe um sorriso.
A tarefa de recarregar a bateria demorou menos de cinco minutos. Arrumado o material, com o carro a trabalhar, Júlio estendeu a mão para se despedir mas, ainda a mão ia a meio caminho, perguntou:
- Seria muita ousadia minha convidá-la para lanchar, ou tomar um café?- Deixe lá isso, não custou nada e até me diverti a vê-lo à volta dos cabos todos emaranhados.
- Não é para retribuir nada, senhora doutora… é só porque gostava de conversar um bocadinho mais consigo e apagar a má impressão que lhe deixei.
Cátia Janine hesitou dois segundos e anuiu.
Vamos então tomar café a Tomar?
Muito bem. Quer sugerir algum lugar?
Pode ser no Estrelas… Segue-me?
Com toda a certeza, senhora doutora.
Cátia Janine entrou no carro e ligou o rádio. Na Emissora Nacional, Artur Agostinho repetia golo!golo! golo! com aquele jeito característico que o celebrizou. Tinha sido golo do Benfica. O jogo estava a terminar e o resultado era de 2-2. Com aquele empate o Benfica garantia praticamente o campeonato. Não percebia nada de futebol, mas fixou um nome que recebia enaltecidos elogios dos comentadores: Bastos Lopes. Era um jovem defesa que fazia a estreia em pleno estádio das Antas e se estava a sair muito bem. Viria a ser um reputado internacional, indispensável na selecção das Quinas que era o nosso orgulho, principalmente desde que um tal Eusébio da Silva Ferreira encantara o mundo no Mundial de 66 e projectara o nome de Portugal além fronteiras.
Terminado o jogo, Cátia Janine imaginou o pai em casa, eufórico, com o empate que mantinha o SL Benfica invencível. A poucas jornadas do final do campeonato.
Olhou pelo retrovisor para ver se Júlio deixava extravasar sinais de alegria. Viu-o bater repetidas vezes com a mão fechada no volante em sinal de vitória. Mas, de repente, algo lhe ocorreu que a deixou preocupada e temerosa. O carro de Júlio estava numa descida, facilmente ele o teria conseguido ligar se descesse em ponto morto e depois o engatasse na segunda velocidade. Então, porque é que a tinha procurado a pedir ajuda?
(Continua)Pode ler os capítulos anteriores aqui
(o que um homem vai buscar
ResponderEliminarsó para falar de futebol
sem chatear
nem fazer conversa mole)
Foi penitência, por alguns posts anti-benfiquistas que aqui escrevi. Que os meus pecados sejam perdoados. Amen
EliminarEle é do Benfica; só pode ser boa pessoa...
ResponderEliminarPor estranho que pareça, até conheço benfiquistas que são uns tipos porreiros... desde que não se fale de futebol:-)))
EliminarEheheh, esse Júlio parece-me trazer água no bico... com (ou devido ao) Benfica, e tudo! :)
ResponderEliminarMas pelos vistos falhei um capítulo! É o que dá estas crónicas/contos em capítulos! :D
Carlos, vim até aqui para acalmar o golo do Hertha Berlim, e afinal, encontro aqui um Benfica a caminho de ganhar o campeonato.
EliminarO Artur Agostinho a gritar: golo, golo, golo e, o locutor daqui a dizer que é pena Berlim perder, e a capital deixar de estar representada na primeira liga.
O Júlio não gosta de mulheres, qual é o jogo dele com a irritante Cátia?
Aqui não temos Fado, nem Fátima, mas temos FUTEBOL!
Saudação de Berlim do duo Merkollande.
Pode sempre ler os capítulos atrasados seguindo o link da etiqueta, Teté. de qualquer modo talvez um dia destes transfira esta história para o On the Rocks.
EliminarQuanto ao Júlio, não é bem água no bico que ele traz, mas a seu tempo se saberá...
Já é habitual o Hertha descer de divisão. Até o Benfica lhe ganhou aqui há uns anos para a Liga Europa ( foi, salvo erro, a única equipa que conseguiram vencer na Alemanha, quando já estava no ultimo lugar da Bundesliga.
EliminarQuanto ao encontro Merkollande, farei o relato por música à hora habitual. Espero que a GEMA deixe passar a mensagem...
Ai meu Deus...isto agora está mesmo em ponto de rebuçado!!
ResponderEliminarDos futebois desse tempo só me lembro da voz de Artur Agostinho e Pedro Moutinho...
Vê lá, não nos deixes ficar muito tempo neste terrível suspense, Carlos!
Sabes que a Cátia Janine, até nem me está a parecer má pessoa?
Continuemos a aguardar...
Beijinhos.
Ainda a procissão vai no Adro, amiga! Pelas minhas contas deve haver coto para um ano, com publicações bi-semanais :-)
EliminarVais ter muitas surpresas. Em 40 anos as pessoas mudam muito e, depois do 25 de Abril houve tanta gente a revelar-se de forma inesperada!
Mas, como sabes, já vou no capítulo 4 e ainda estou no dia 1 de Abril de 1973, quando tudo começou...
Beijinhs
Nah! A Cátia suspeitou e bem. Como ainda não estavam inventados os cataliazadores,nem direcção assistida, acho que nem servo freio, bastava deixar deslizar o carro e engatá-lo (até uma mulher já sabia isso). desconfio que foi mesmo engate (ou tentativa).
ResponderEliminarAnsioso pela continuação.
Abraço
Rodrigo
Nota: espero que algumas amigas não me vão chamar machista, por aquela do "até uma mulher já sabia isso".
Elementar, meu caro Rodrigo...mas se a Cátia Janine fosse assim lerda de pensamento na barra do tribunal, como se revelou neste episódio, o que ela fez melhor foi mesmo mudar de vida. Como adiante se verá...
EliminarQuanto ao machismo, esteja tranquilo... a leitoras do Cr são todas muito civilizadas.
Abraço
Localização no Castelo de Bode ou mais para o lado de Dornes?! :-))
ResponderEliminarMais para o lado de Dornes, Rosa ( aldeia magnífica, aliás, onde em 1974 e 75 vivi momentos épicos)
EliminarAutobiográfia...:)))??
ResponderEliminarBenfiquista, eu? Jamé!
EliminarAlém disso, em 1973 não vivia cá...
ResponderEliminarSerá que vai haver romance? :)
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