sexta-feira, 6 de agosto de 2010
O liberalismo posto à prova
No Lar com os nossos velhos

Entre as muitas entrevistas que fiz, encontrei gente com passados desafogados, (“ vidas lindas” como me dizia uma mulher num lar próximo de Coimbra) que hoje vive com dificuldades financeiras. Algumas dessas mulheres nunca trabalharam. Ou melhor… nunca tiveram uma actividade profissional remunerada, porque trabalho ao longo da vida nunca lhes faltou. Tratar da lida da casa, cuidar e educar os filhos, ter “o comer” pronto sempre a horas, é trabalho e duro, principalmente para mulheres minhotas como a D. Henriqueta que, mesmo contando com a ajuda de duas “criadas”, teve de penar para educar seis filhos e "um marido leviano”, mas intolerante quando o almoço ou o jantar não estavam na mesa à hora certa.
“Era mais certinho que um relógio!” – diz-me enquanto puxa de um lenço para secar a água que lhe assoma teimosamente aos olhos. “São as cataratas...”- explica enquanto dobra o lenço na mão fechada.
O rosto de D. Henriqueta não denuncia os seus 83 anos. Pele cuidada- provavelmente sempre acariciada com os melhores cosméticos - exalando o odor de um perfume caro que a nora lhe ofereceu no aniversário. Vestuário cuidado, onde não se vislumbra um vinco de desmazelo, uma certa altivez no olhar. Diálogo fluido revelando interesses culturais.
Junta o polegar ao indicador e, com gestos rápidos e ritmados, mas sem pronunciar uma palavra, faz-se entender: questões financeiras. A conversa desenvolve-se nesse sentido. O marido morreu em 1976. Deixou-lhe uma boa conta bancária e a bela mansão onde viviam. D. Henriqueta tinha uns baldios herdados do pai, mais três filhos ainda a estudar. Assegurar que os filhos mais novos teriam uma educação igual à dos outros, foi a sua prioridade. Como o marido nunca descontou para a segurança social, porque antes do 25 de Abril os descontos não eram obrigatórios,D. Henriqueta não tinha rendimentos e foi obrigada a ir vendendo as terras.
Imagens da nossa memória (6)

Coelhito pensador...
