
Sexta-feira Santa. Uma reportagem de última hora leva-me até ao Oeste. Almoço no litoral, tendo o mar como cenário. A leitura do cardápio sugere-me um bife de atum. Aceito a sugestão. Enquanto aguardo, os meus olhos saltitam entre a leitura das gordas dos jornais e as ondas revoltas esparramando-se no areal. Vindo de não sei onde entra um anjo. Cabelo negro ( quem disse que os anjos são todos loiros desconhece a beleza dos anjos com cabelo de azeviche), caindo sobre um corpo esguio e bem torneado. Senta-se na mesa à minha frente. Pousa os óculos escuros sobre a mesa e pede a ementa. Da carteira recolhe uns óculos de ver ao perto ( os anjos de cabelo negro com problemas oftalmológicos devem pertencer a uma casta especial que não consta dos catecismos) que deixam a descoberto uns olhos verdes deslumbrantes . Anuncia a sua escolha ao empregado sem pronunciar uma palavra. (Os anjos ouvem mas não falam). Volta a pegar na carteira de onde retira um livro. Olha-me e deixa escapar um sorriso disfarçado. Retribuo.
Há qualquer coisa naquele sorriso que me traz à memória a psiquiatra de Tony Soprano, nos tempos da primeira série. O empregado traz-me o bife de atum. De repente, perdi o apetite. Só tenho olhos para aquele anjo, absorvido pela leitura de um livro cujo título não consigo ler. Entrego ao palato a apreciação do sabor do bife de atum, enquanto olho o mar e me interrogo sobre a escolha gastronómica do anjo que está diante de mim, mas agora ostensivamente me ignora. Um peixe grelhado? Uma salada? Talvez aquelas ovas cozidas com molho de vinagrete…
A resposta demora uma eternidade. Já deixei metade do bife de atum abandonada à sua sorte e pedi uma manga para rematar a refeição, quando o empregado traz a encomenda do anjo que algum enviado de Deus colocou à minha frente em tarde de Sexta-feira Santa, para me fazer experimentar a provação. Surpresa! O pedido improvável provoca-me uma breve náusea. Afinal, os anjos também comem favas com chouriço. Ainda por cima numa sexta-feira Santa, dia em que tal pitéu lhes devia estar vedado pela Lei Divina.
A resposta demora uma eternidade. Já deixei metade do bife de atum abandonada à sua sorte e pedi uma manga para rematar a refeição, quando o empregado traz a encomenda do anjo que algum enviado de Deus colocou à minha frente em tarde de Sexta-feira Santa, para me fazer experimentar a provação. Surpresa! O pedido improvável provoca-me uma breve náusea. Afinal, os anjos também comem favas com chouriço. Ainda por cima numa sexta-feira Santa, dia em que tal pitéu lhes devia estar vedado pela Lei Divina.