O slogan “Make Love Not War” seria substituído pelo “Make Money even if you must kill your best friend” ( bem, os yuppies nunca usaram este slogan, mas o seu estilo de vida e a forma de pensar bem o justificaria…); às camisas floridas, flores na cabeça e trajes ligeiros, dos hippies, os yuppies responderam com a gravata, o gel no cabelo, o vestuário rígido a lembrar uma farda; debaixo do braço em vez do “Salut Les Copains” ou da “Rolling Stone”, traziam a “Financial Times”. O resultado está à vista…
Mas voltemos a Christania. Nunca lá tinha estado mas conheci, no início dos anos 80, uma portuguesa que ajudou a construir os seus alicerces e lá viveu durante os primeiros anos. Os seus relatos entusiasmavam-me, cheguei a acreditar que aquele foco de resistência hippie, situado num antigo quartel militar, ainda pudesse vir a florescer noutros pontos da Europa. Em Christiania não se pagavam impostos, vivia-se de forma comunitária, com regras próprias e… drogas livres.

Quando em Junho decidi ir lá, sabia que não iria encontrar nada de parecido com os relatos dessa amiga. Desde 1994, (quase) tudo mudou. As relações com as autoridades dinamarquesas foram sempre tensas, houve diversos tumultos e a polícia entrou diversas vezes no “bunker” de resistência hippie. Os habitantes passaram a pagar impostos e as bancas de droga da rua Pusher foram encerradas. ( Em contrapartida, passaram a ter fornecimento de água canalizada e de luz eléctrica).
Não esperava, porém, encontrar este “enclave” de Copenhague tão degradado. Nem pensava ser surpreendido pela proibição de tirar fotografias, nomeadamente na Rua Pusher, onde as bancas de droga desapareceram, mas as drogas- leves e duras- se vendem às claras.
O ambiente de Christiania é algo estranho. A envolvência é magnífica, nas habitações (rudimentares e quase todas de madeira) apenas encontramos o essencial - num desapego consumista que nada tem a ver com pobreza- ,não circulam automóveis, as ruas não são asfaltadas, as pessoas reúnem-se nas esplanadas da praça central bebericando e fumando, depreende-se um estilo de vida comunitário, mas tudo parece em degradação, apesar de se continuarem a construir habitações.
Christiania já não é um “enclave libertador” dentro da capital dinamarquesa. As pessoas que lá vivem já não conseguem auto sustentar-se( o encerramento das bancas de droga da Rua Pusher foi uma perda significativa nas receitas )e, muitas delas, têm de sair de manhã cedo para trabalhar nas empresas do “capitalismo”.Conheci duas dinamarquesas que trabalham num organismo de Estado. De manhã saem pedalando as suas bicicletas, afiveladas para ir para o trabalho mas, quando regressam, libertam-se do vestuário opressor e recuperam a sua identidade. Como se vivessem em mundos paralelos, que nunca se hão-de encontrar, mas tendo a noção de que tudo será uma questão de tempo, até que a confluência se concretize. O estatuto de Christiania está em discussão e não restam muitas dúvidas que as negociações com as autoridades dinamarquesas vão redundar numa perda de autonomia. A sociedade auto gestionária sonhada pelos seus fundadores terá, muito provavelmente, os dias contados. Muito por culpa própria.
Embora já não seja tão intensa, a vida cultural e artística é, ainda, uma das riquezas deste refúgio hippie.
Durante a minha estadia em Copenhague, estava a decorrer o “Festival de Música de Christiania”, uma espécie de reedição anual de Woodstock em miniatura. Durante três dias e três noites, algumas das melhores bandas e artistas devolvem a Christiania resquícios do seu passado. Muitos jovens, provenientes de várias cidades dinamarquesas e suecas, deslocam-se nesses dias até lá. Uns vão apenas pela música, outros pensam ir encontrar o ambiente em que os seus pais se divertiram quando eram jovens. Pura ilusão. Como uma mulher ( ou homem) de 60 anos que pensa que, através de uma plástica, pode recuperar a juventude e viçosidade dos 20, também em Christiania há um enorme artificialismo. Há momentos que não se repetem. A única forma de os perpetuar, é saber envelhecer com eles.

Quando deixei Christiania, não pude deixar de fazer a comparação com El Bolsón. Esta pequena vila está situada na Patagónia, entre os Andes e velhos glaciares, a cerca de 200 quilómetros de Bariloche ( a norte) e outros tantos de Esquel (a sul) . Região de lagos e bosques, desfruta de um microclima soberbo. Foi aí que se instalou uma enorme comunidade hippie nos anos 60. Provenientes de vários países europeus e dos EUA, começaram por organizar visitas turísticas na região, agora dedicam-se essencialmente à agricultura e artesanato.
Estive lá em 2005. Pelas ruas ainda circulam algumas das velhas carrinhas Volkswagen ( mais ou menso floridas como as da foto) que foram imagem de marca dos anos 60. El Bolsón continua a ser um forte pólo de atracção turística mas, ao contrário de Christiania, embelezou-se e tornou-se atractiva; ainda se vêem hippies pelas ruas, mas são todos lavradores que descem das suas quintas nas encostas - onde fazem agricultura biológica- para vender os seus produtos no mercado. Vêm nas suas carrinhas de caixa aberta ou nos seus tractores, fazem o negócio e regressam às suas quintas onde vivem em plena liberdade. Convivem de forma amistosa com os indígenas mapuche e com eles partilham a o prazer da vida ao ar livre. Dedicam-se ao artesanato e, como têm todos uma elevada consciência ambiental, procuram adaptar tradições ancestrais a um modo de vida ecológico.
Um “asado de tira” ou “ rodízio dechurrasco” têm ali um sabor diferente. E não são acompanhados de batata frita, mas de uma salada feita com produtos biológicos ou batata assada. A carne é proveniente de animais tratados em pastos respeitando as regras da agricultura biológica.
É possível comprar drogas leves nas ruas de El Bolsón, mas não é vendida pelos hippies agricultores, nem ofercida à descarada a quem passa, como acontece em Christiania. Apenas por alguns que arribaram tardiamente à região, atraídos pela paisagem e por um modo de vida a que não conseguiram adaptar-se.

Para além da envolvência ( a vila fica a meio caminho entre o nada e lado nenhum)os habitantes de El Bolsón conseguiram adaptar o seu estilo de vida aos tempos modernos. Não serão os hippies dos anos 60, propagandeando a sua ideologia romântica, mas são gente que vive em comunhão com a Natureza , usufruindo de uma liberdade que conquistaram na renúncia aos valores dominantes.
Para mim são, acima de tudo, a demonstração de que é possível resistir!
*Faz hoje 40 anos que terminou o Festival de Woodstock. Esfumaram-se os sinais de esperança, perdeu-se aquele espírito de harmonia que animou os 500 mil participantes, não foi possível fazer uma reedição por falta de patrocínio, mas permaneceu a música.
Para quem nunca ouviu falar de Woodstock, nem faz uma mínima ideia do que por lá se tará passado, deixo aqui 2 minutos e meio de puro deleite
Para quem nunca ouviu falar de Woodstock, nem faz uma mínima ideia do que por lá se tará passado, deixo aqui 2 minutos e meio de puro deleite