Realiza-se hoje, em Freamunde, a tradicional Feira dos Capões , uma tradição iniciada no século XV que atrai à localidade muitos forasteiros em busca da sua carne suculenta, substituta do ancestral perú, no almoço de Natal em muitos lares portugueses.
Não resisto a recordar um episódio passado em minha casa, ainda era eu criança.
Era habitual, ao domingo, jogar-se canasta lá em casa. Quando o tempo o permitia, a tarde iniciava-se com um “cimbalino”, na Póvoa de Varzim, tomado mais ou menos à pressa, porque cavalheiros e damas ansiavam o momento de regressar ao Portoa para se reunirem à volta da mesa, somando pontos e celebrando “rovers”, cuja receita era consumida em fartos almoços de confraternização. Entre os jogadores, era presença habitual um comerciante de peles que possuía um estabelecimento muito conceituado, onde muitas senhoras da alta roda portuense escaqueiravam anualmente chorudas maquias na compra de “visons”, casacos e outras iguarias da indumentária feminina.
Numa dessas tardes, o meu pai anunciou que, realizando-se na semana seguinte a Feira dos Capões, iria a Freamunde para comprar dois exemplares daquele precioso animal, que nos iriam animar o almoço do dia 25. Alguns dos convivas dispuseram-se de imediato a acompanhá-lo. O referido comerciante, não podendo fechar o estabelecimento, alvitrou à neófita esposa, uma senhora alemã, que nesse ano o perú fosse substituído pela carne do capão, a cuja excelência e predicados teceu exaltadas loas. A princípio renitente, a senhora acabou por sucumbir ao discurso laudatório do marido e restantes comparsas. Feitas as contas aos comensais que iria receber no dia de Natal, perguntou ao marido se dois exemplares seriam suficientes. Tendo recebido um aceno afirmativo do consorte, no momento em que este acabava de completar uma “canasta” que iria fechar um “rover” a seu favor, a senhora voltou-se para o meu pai e disse:
- Então, se não for maçada, agradecia que me trouxesse um casal!
O meu pai ainda conteve o riso, mas a restante audiência rebentou numa sonora gargalhada. Eu, que à época só tinha o estatuto de assistente, por ser demasiado jovem para aquelas lides, também me fartei de rir. Uma gargalhada mimética, fruto de contágio, porque na realidade não sabia que a deliciosa carne que comia no dia de Natal era proveniente de galos capados, a quem estava vedado o galanteio das apetitosas galinhas que, inexoravelmente, acabavam no tacho em deliciosa canja.
Confesso que prefiro o perú, o capão faz-me lembrar um perú chinês dos nossos tempos...
ResponderEliminarPor falar em capar...há para aí uns quantos, que neste momento estão a ser julgados, que a sentença adequada era mesmo essa...
E os capões cocorojavam fininho?
ResponderEliminarQuanto à Senhora Alemã, ela apenas não estava familiarizada como a língua portuguesa; é claro que tinha que vir defender os alemães.
Tratava-se então de explicar à senhora da 'eunuquidade' dos bichinhos.
ResponderEliminar'Tadinhos, não merecem tal sorte, uma injustiça, só lhe digo.
Nunca comi galo capão, nem perú no Natal. Aqui em casa come-se bacalhau e cabrito assado.
Tão ocupada tenho andado que só me dá o tempo para ler correndo os blogues que se me tornaram indispensáveis. O Rochedo é um deles. Bom fim de semana
ResponderEliminarMeu Caro Carlos,
ResponderEliminaressa está de gritos, ehehehe.
A carne é, realmente, muito boa. O melhor prato dela que comi foi ali para as bandas de Rio Maior, mas penso que os donos do tasco vinham de muito mais ao Norte.
Abraço
Tadinhos dos bichos.
ResponderEliminarJá não basta comerem-nos, ainda lhes retiram a dignidade masculina..rsrsrs
Veludinhos
Carlos
ResponderEliminarAdorei, quando era miuda vivi em Paços de Ferreira e lembro-me perfeitamente da Feira do Galo Capão em Freamunde.
E o sabor era divinal, do galo capão e do arroz de esturgido!
Beijos
ehehehe Pronto. Queria um PAR!
ResponderEliminar:)))
Tambem me ri ao ler esta historia.
ResponderEliminarCoitada da senhora deve ter ficado envergonhada.
Nunca comi galo capao.
Deve ser uma feira muito animada!!
ResponderEliminarSó espero que os animais sejam cirurgicamente "coiso e tal" antes de chegarem ao recinto da venda!!
Como manda a tradição, vou servir no dia 25 uma cabidela de pica no chão, mas com tudo no sítio. É que na minha casa é galinha para a canja e galo(novo) para o arroz, caseirinhos, que frango de aviário já se come o ano todo.
ResponderEliminarJá têm sentença marcada para o dia 24, à tarde, mas só vêm para as minhas mãos depois de limpos e arranjados, que não tenho coragem de matar bichezas.
E sim, D. Patti, vêm com pescoço, cabeça, bico e tudo, que a canja tem que ter ovos, moelas, fígado, coração, patas, crista e tudo, para ser mais 'peitoral'!!**
P.S. Se não souber o que este termo quer dizer, depois explico.
rsrsr
Blhéck, Si. Cristas e bicos, Deus me livre!
ResponderEliminarAgora pica no chão sem essas proeminências, está bem, pode convidar-me e dê o resto ao gato.
Salvo: Parece-me que, com jeitinho, alguns deles ainda vão acabar a ser condecorados num 10 de Junho qualquer.
ResponderEliminarQuanto ao capão, faz uma cabidela de truz mas, claro, são gostos.
Gi: Não le sei reponder, porque já não me lembro... Agora já só os vejo no tacho!
ResponderEliminarPatti: Tadinhos? Eram galos que maltratavam as galinhas...
ResponderEliminarPaulo: Ainda te hei-de desvendar aqui um lugar em Lisboa onde fazem ( mas so por encomenda para um mínimo de 4/5 comensais) uma deiciosa cabidela de capão. Ou pelo menos faziam... vou averiguar.
ResponderEliminarBluevelvet: É bem feito, para não nadarem a bater nas galinhas!
ResponderEliminarAna Camarra: Então viveu lá perto..
ResponderEliminarQuase aposto que a maioria das leitoras do Rochedo ( que não sejam do Norte) não sabem o que é esturgido. Essa é ua das palavras que já está selccionada para o meu novo Dicionário, qu começarei a ditar em Janeiro.
Perú ou galo tanto me faz, mas o importante é que haja uma mesa farta e onde caibam todos com paz e alegria.
ResponderEliminarNão sei se já comi cabidela de capão, mas é muito provável que não. E nem me parece matéria de risota o desconhecimento da senhora. Em minha casa usa-se, depois das entradas quentes, cabidela e bacalhau. Normalmente, eu faço a cabidela. Se tenho galo caseiro, muito bem. Se não tenho, desde que seja frango ou galinha do campo, é igual. Mas aborrece-me que venham com patas, cabeça...ficam mais parecidos com eles e custa-me fazê-los em pedaços (enoja-me um bocadinho além da pena que tenho dos bichos). Mas tem de ser que tenho de retirar peles, gorduras para a cabidela não ficar supergorda. Não aprecio carne de perú ainda que fosse a que sempre se comeu em minha casa. Minha mãe criava e engordava um ou dois perús para a época natalícia e depois distribuía carne pelos meus avós. Esses pratos apenas me sabia bem, nunca me souberam a perú. Mistérios da infância. Ou milagres de mãe.
ResponderEliminarBom, a nossa cabidela não leva arroz, é só ela a reinar. Depois acompanha com arroz, batata doce e castanha frita, salada.
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